Tratamento cirúrgico ou tratamento conservador? Qual a melhor solução? E o que ficou afetado? Apenas o Ligamento cruzado anterior ou há outras lesões envolvidas? As respostas dependem de inúmeros fatores, a gravidade do dano é importante, assim como saber quais são os objetivos de cada um dos lesionados
A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) é frequente e afeta normalmente indivíduos jovens e ativos e, frequentemente, requer intervenção cirúrgica. Embora a maioria dos doentes obtenha resultados satisfatórios, uma percentagem significativa não consegue regressar ao estado funcional anterior à lesão. Tal acontece porque estes resultados dependem não só daquela lesão específica, mas também de outras lesões associadas na articulação do joelho. Além disso, há uma variedade de fatores psicossociais, incluindo as aspirações e exigências da pessoa doente, que têm impacto no resultado.
Os médicos que tratam estes casos têm a oportunidade de otimizar o resultado, influenciando todo o espectro de cuidados, desde a avaliação inicial até ao tratamento, que conduzem ao resultado funcional desejado.
Diagnóstico e Avaliação Inicial
O primeiro passo para um tratamento eficaz é um diagnóstico preciso. A avaliação inicial deve incluir:
- Identificação do mecanismo da lesão (rotação, hiperextensão, contato direto, etc.), sintomas como dor, inchaço e instabilidade;
- Exame físico, que inclui testes específicos para avaliar a estabilidade do joelho, como:
- Teste de Lachman: Avalia a translação anterior da tíbia em relação ao fémur.
- Teste do Pivot Shift: Deteta instabilidade rotacional do joelho;
- Exames de imagem:
- Radiografia: Para excluir fraturas associadas,
- Ressonância Magnética: Para confirmar a lesão do LCA, avaliando também lesões meniscais, cartilagíneas, e de outros ligamentos.
Tratamento
O tratamento ideal para a lesão do LCA depende de vários fatores, nomeadamente a gravidade do dano no joelho, o perfil pessoal e os seus objetivos funcionais. Assim, a decisão deve ser partilhada com a pessoa doente, após discussão dos seus níveis de atividade, aspirações e avaliação completa da lesão, incluindo lesões associadas.
Tratamento não cirúrgico
Em casos de lesão parcial ou em indivíduos com baixo nível de atividade física, o tratamento conservador pode ser uma opção viável. Esta abordagem envolve:
- Fisioterapia para fortalecimento muscular e reabilitação funcional,
- Modificação de atividades para evitar sobrecarga do joelho.
Tratamento cirúrgico
O objetivo principal da cirurgia é restaurar a estabilidade funcional do joelho sem comprometer outras funções articulares, nomeadamente a amplitude de movimentos. Cada doente deve ser avaliado individualmente, tendo em conta o tipo e a frequência da atividade física, bem como a laxidez ligamentar. Com base nesta avaliação e após discussão com o doente, em determinadas circunstâncias, pode ser considerada uma reconstrução cirúrgica numa fase inicial pós-lesão, mesmo antes de os sintomas de instabilidade se desenvolverem, após a resposta inflamatória inicial à lesão ter estabilizado, com o joelho “calmo”, sem inchaço, e a amplitude total de movimentos, particularmente a extensão, restaurada.
A cirurgia é recomendada para os doentes mais jovens, atletas ou aqueles que apresentam instabilidade funcional significativa do joelho, comprometendo atividades diárias ou desportivas. O procedimento mais comum é a reconstrução deste ligamento, o que envolve a substituição do ligamento rompido por um enxerto. Os tipos de enxertos utilizados incluem o tendão patelar, os tendões dos músculos isquiotibiais ou o tendão do músculo quadricípite. A escolha do enxerto depende de fatores como idade, nível de atividade física e preferência do cirurgião.
Não há evidência de que a reconstrução do LCA reduza a incidência ou a progressão das alterações degenerativas no joelho, mas a estabilização precoce reduz a incidência de patologia meniscal subsequente. Embora não existam estudos comparativos a longo prazo, é sensato concluir que a reconstrução do LCA terá um efeito protetor. A idade e as alterações degenerativas não são, por si só, contraindicações para a reconstrução do ligamento cruzado anterior.
Embora a reconstrução do LCA isolada tenha sido ao longo do tempo um procedimento cirúrgico bem-sucedido, uma minoria significativa de pacientes apresenta um fenómeno de instabilidade rotacional persistente que conduz a lesões condrais e meniscais, aumentando o risco de artrose. Assim a evidência clínica atual suporta a utilização de procedimentos extra-articulares, como a tenodese lateral p ara reforçar a reconstrução deste ligamento. As indicações apropriadas podem incluir: idade inferior a 25 anos; atletas profissionais; laxidez ligamentar generalizada ou genu recurvatum; pivô shift de alto grau ou revisão da reconstrução do LCA.
Lesões associadas
Apenas em 12% dos casos as lesões do LCA ocorrem de forma isolada. Habitualmente associam-se a lesões noutros ligamentos do joelho, lesões dos meniscos e ou lesões da cartilagem articular. A sua presença associa-se a um pior resultado, com um risco mais elevado de artrose do joelho. Por outro lado, a sua identificação pode alterar significativamente a urgência da intervenção necessária no tratamento de uma lesão do LCA.
• Multiligamentares
As lesões multiligamentares, com ou sem luxação do joelho associada, são as lesões mais graves, podendo colocar em risco a viabilidade do membro afetado. Caracterizam-se por uma rutura completa de dois ou mais dos principais ligamentos do joelho, normalmente o LCA e o ligamento cruzado posterior (LCP). Geralmente resultam de traumatismos de elevada energia associados a acidentes rodoviários, mas podem ocorrer em desportos de alto impacto, bem como em traumatismos de baixa energia em pacientes hiperlaxos ou obesos. Na presença de uma luxação do joelho, a redução da articulação é emergente, sendo necessária uma avaliação vascular e neurológica antes e depois da redução da articulação. Sabe-se também que há um aumento da taxa de insucesso da cirurgia de reconstrução do LCA em doentes com lesões concomitantes do canto póstero externo ou do complexo ligamentar medial do joelho, não diagnosticadas ou não tratadas devidamente. A discussão/encaminhamento precoce para um ortopedista devidamente especializado em lesões ligamentares do joelho é muito importante para o planeamento de uma investigação /tratamento adicional.
• Meniscais
A lesão meniscal é comum após a rotura do LCA, com uma incidência que varia entre 25 e 75%. A lesão meniscal lateral é mais comum, mas a patologia meniscal medial aumenta após a lesão do LCA. Com o tempo, as ruturas tornam-se mais complexas, degenerativas e menos passíveis de reparação. Sabe-se também que a reparação do menisco, em simultâneo com a reconstrução do LCA, melhora a taxa de sucesso da reparação. Assim, a presença de uma lesão meniscal instável e reparável em combinação com a insuficiência do LCA indica a necessidade de uma reconstrução do LCA com reparação meniscal, em vez da excisão parcial do menisco. A reparação meniscal faseada seguida de uma reconstrução posterior do LCA é aceitável no caso de o doente apresentar um joelho bloqueado pela lesão meniscal, para permitir que a reconstrução seja realizada quando o joelho recuperar a extensão completa.
• Cartilagíneas
As lesões da cartilagem articular variam desde pequenas fissuras até perda total da sua espessura. Pode ser necessária uma intervenção mais urgente para facilitar a fixação de grandes fragmentos osteocondrais ou para a remoção de corpos livres que estejam a impedir a reabilitação. As opções de tratamento das lesões da cartilagem dependem de: cronicidade, idade do doente, dimensão e localização do defeito. Os ortopedistas que tratam lesões do LCA devem estar familiarizados com as diferentes opções de tratamento destas lesões.
Reabilitação Pós-Operatória
A maturação do enxerto do ligamento cruzado anterior decorre durante, pelo menos, 12 meses, podendo o desempenho neuromuscular ser afetado até 24 meses pós lesão. Assim, a reabilitação é essencial para uma recuperação completa e um regresso seguro às atividades.
Este processo é faseado:
- Fase Inicial (0-6 semanas): Controlo da dor e inchaço, ganho gradual de mobilidade e fortalecimento muscular inicial.
- Fase Intermediária (6-12 semanas): Foco no fortalecimento muscular, equilíbrio e estabilidade.
- Fase Avançada (3-6 meses): Treino funcional e retorno progressivo a atividades desportivas.
- Retorno ao Desporto (6-12 meses): Testes específicos para avaliar a segurança do retorno ao desporto, de forma a diminuir o risco de nova lesão.
A escolha do tratamento ideal na lesão do LCA depende de uma análise individualizada de cada pessoa. Enquanto o tratamento conservador pode ser eficaz para alguns casos, a cirurgia, combinada com uma reabilitação adequada, é o caminho mais indicado para aqueles que desejam retornar a atividades de alto impacto. O acompanhamento médico é essencial para um prognóstico favorável e prevenção de novas lesões.
Vítor Hugo Pinheiro
(Médico, Ortopedista)

O Prof. Dr.Victor Pinheiro é um excelente médico ser humano e amigo .Muito sucesso .
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