Noutros tempos, dir-se-ia que seria mágico, mas não há aqui nenhuma força sobrenatural. A audição sempre foi uma alavanca no progresso da espécie e, mesmo antes de nascer, o feto já tem a capacidade de ouvir. “A surdez separa-nos das pessoas” e a audição ajuda-nos a viver, mas é a linguagem que nos torna únicos e exclusivos
Aristóteles (384 aC-322 aC, filósofo grego, discípulo de Platão), escreveu que “O Homem é um animal de Linguagem” e que “O ouvido é o órgão da Educação”. Destacava assim o papel primordial da audição, na aquisição e estruturação da linguagem oral e, simultaneamente, sublinhava a sua importância na transmissão dos valores civilizacionais, desde a cultura ao conhecimento científico.
A função auditiva, função fisiológica do ouvido, desde tempos remotos é a pedra angular sobre a qual se foi edificando, ao longo de milhares de anos, o intrincado edifício do sistema de comunicação humano.
Não conseguimos imaginar a forma limitada de comunicação dos nossos antepassados pré-humanos, mas sabemos que sem o desenvolvimento de uma estrutura áudio-oral de comunicação não seria possível alcançar o progresso de que hoje dispomos.
A linguagem facilitou a expressão de sentimentos e emoções e permitiu a transmissão de aprendizagens e conhecimento. A comunicação através da fala, iniciada com o Homo Sapiens, foi aperfeiçoada ao longo de gerações e constitui ainda hoje a grande alavanca do progresso humano.
Para falarmos não necessitamos de recursos tecnológicos dispendiosos ou sofisticados, porque já nascemos equipados com as estruturas fonatórias e auditivas, e usamos como meio de transmissão das vibrações sonoras o próprio ar que respiramos. Acresce ainda que a aquisição da linguagem áudio-oral se processa de forma espontânea nos primeiros tempos de vida.
Da mãe sorvemos o leite e a palavra, aprendendo a língua materna. O alimento promove o crescimento físico e a palavra será a ferramenta para o crescimento emocional e intelectual. O ouvido interno inicia a sua formação pela 3ª semana de gestação e está completamente formado e com o tamanho próximo do adulto, por volta da 20ª semana de gestação. O ouvido médio e o ouvido externo têm formação embrionária mais tardia e o seu crescimento mantem-se após o nascimento.
Deste modo, a audição fetal inicia-se por volta do 5º mês de gestação e há provas científicas que documentam variações do ritmo cardíaco fetal, como resposta a estímulos sonoros, a partir deste período. Antes de nascer, o bebé já teve experiências auditivas durante cerca de 4 meses.
Esta experiência auditiva constitui um elemento muito importante na ligação entre a vida intra e extra uterina: quando colocado sobre o peito da mãe, o recém-nascido reconhece os batimentos cardíacos da progenitora, que distingue do “barulho” envolvente, o que muito o tranquiliza.
A audição será um grande gerador de emoções ao longo de toda a vida. A voz dos pais e irmãos vai desenhar o universo familiar, primeira noção de conjunto do recém-nascido, responsável por muitos sorrisos. Mais adiante, a audição contribuirá para a interação e integração social no relacionamento com as outras crianças. Quando adolescente, ouvir a voz da pessoa amada é motivo de fortes emoções, ouvir as músicas preferidas será um grande prazer. A voz dos colegas, no desporto, será um grande incentivo. Quando sénior, a voz dos amigos fará evocar o calor de velhos tempos e trará à memória momentos que nem o tempo consegue apagar.
Helen Keller, que sofria de surdez e cegueira, dizia que “ser cega e surda é o pior dos infortúnios: a cegueira separa-nos das coisas, mas a surdez separa-nos das pessoas”.
A nossa sociedade plasmou a importância da audição em vários conceitos, nas diferentes áreas da atividade humana. Na Bíblia surgem múltiplas referências à necessidade de “ouvir a Palavra de Deus”. Na política, os bons políticos devem “ouvir a voz do Povo”. A nível individual é importante ouvir bons conselhos e até, por vezes, ouvir a voz da própria consciência. E, mais uma vez, cabe ao cérebro descodificar o que ouvimos. Porque no início, existe apenas uma vibração que importa descodificar.
No nosso planeta, são muitos os seres vivos que têm capacidade para ouvir, mas só o ser humano tem o poder da linguagem. Esta é a grande especialização da espécie humana, que exige a habilidade e o envolvimento de todo o sistema neurológico. É mesmo uma coisa só de Homens…
Carlos Ribeiro
(Médico, Otorrinolaringologista)
Excelente abordagem Dr. Carlos Ribeiro , a possibilidade de podermos comunicar é algo mágico e se conseguirmos enriquecer essa comunicação, tanto melhor. Obrigada por contribuir para esse enriquecimento!
ReplyAna Luísa Maia