É um bilhete de identidade, pessoal e inconfundível e – não raras vezes – as características vocais ligam-se a estereótipos culturais. É na puberdade que se dá a expansão da laringe e de todas as restantes estruturas do trato vocal, provocando uma alteração na frequência fundamental da voz que pode diminuir cerca de 100Hz, principalmente nos rapazes. E quando isso não acontece?
A voz é o bilhete de identidade, pessoal e inconfundível, que nos distingue (mesmo longe do olhar), que nos representa em diferentes papéis sociais e nos expõe, por vezes, quando as emoções levam a melhor. Esta mesma voz muda ao longo da vida e é versátil o suficiente – quando saudável – para nos permitir não só apresentar um projeto com tom credível, mas também imitar um desenho animado infantil ou interpretar uma música metal.
Através da realização de diferentes ajustes, durante a fala, nas estruturas móveis do trato vocal (“tubo” entre as cordas vocais e os lábios, incluindo cavidades oral e nasal, faringe e laringe), é possível alterar a qualidade, o volume, o tom e a ressonância da voz, consoante o contexto em que estamos. Assim, o trato vocal funciona como uma “caixa-de-ressonância” e, tal como numa guitarra, amplifica e modifica o som das cordas (vocais), dando configuração individual, que contribui para a singularidade de cada voz.
Durante a puberdade, ocorre um surto de crescimento e transformações corporais, associado ao desenvolvimento dos carateres sexuais secundários, que conduz também à expansão da laringe e restantes estruturas do trato vocal e ao posicionamento da laringe num nível mais baixo no pescoço, resultando na alteração da voz para tons mais graves. Esta mudança, natural e esperada, destaca-se mais nos rapazes, em que a frequência fundamental da voz pode diminuir cerca de 100Hz.
Nos casos em que a referida muda vocal não acontece, considera-se a presença de uma perturbação vocal funcional designada de puberfonia (ou disfonia por alterações da muda vocal). Contudo, antes da atribuição deste diagnóstico pelo médico otorrinolaringologista são despistadas lesões estruturais e malformações da laringe, alterações endócrinas e défice auditivo. Só então, depois de confirmada a integridade morfológica e biomecânica da laringe, se define o caráter funcional da perturbação, mais frequente nos rapazes, que é geralmente associado à inadaptação ao crescimento laríngeo e a descoordenação muscular, podendo resultar num quadro de hipertonia laríngea.
Este aumento da contração dos músculos intrínsecos e extrínsecos da laringe conduz à sua fixação numa posição elevada no pescoço e ao excesso de tensão durante a produção vocal que, em conjunto com um suporte respiratório débil, mantêm a voz num registo agudo, fora do esperado para a idade e género masculino. Também devido à tensão muscular exagerada, o sistema vocal torna-se menos eficiente, aumentando o cansaço vocal e prejudicando a qualidade da voz, que pode ser, por vezes, rouca e soprada e apresentar quebras vocais e menor flexibilidade e projeção.
Além das alterações fisiológicas, a puberdade faz-se acompanhar de conflitos psicológicos, muitas vezes, intensos, que podem relacionar–se com a puberfonia. De entre eles, têm sido referidas como possíveis causas a resistência psicológica em assumir papéis sociais da vida adulta e dificuldades associadas à identidade de género ou à orientação sexual.
Ainda do ponto de vista psicossocial, a persistência do registo vocal agudo durante a idade adulta traz, incontornavelmente, repercussões nas interações comunicativas, já que o interlocutor é, muitas vezes, condicionado por estereótipos culturais associados às características vocais e, assim, parece percecionar maior imaturidade e passividade relativamente à pessoa com puberfonia.
Outras barreiras com impacto psicológico significativo podem surgir em comunicação por contacto telefónico, mas também em oportunidades profissionais e em contexto familiar. Torna-se por isso essencial manter uma audição atenta e garantir o encaminhamento atempado para uma avaliação otorrinolaringológica, de forma a facilitar o acesso à intervenção mais adequada.
Como ponto de partida, numa perspetiva conservadora, mas consensual, a intervenção vocal em Terapia da Fala tem demonstrado bons resultados na diminuição da frequência da voz, através de técnicas de modificação do comportamento vocal, que favorecem a adequação da postura laríngea e a diminuição da tensão vocal. Além disso, a intervenção vocal inclui o treino de discriminação auditiva de diferentes qualidades e registos vocais, assim como fornece orientações relativamente à fisiologia da voz, que permitem à pessoa com puberfonia melhorar o controlo vocal.
Por vezes, pode haver rejeição inicial temporária quanto a usar o novo registo vocal fora do contexto de Terapia da Fala e, em raros casos, pode ser relevante articular com intervenção em Psicologia. Em última instância, quando a intervenção vocal não é eficaz, pode ser sugerida cirurgia, avaliando-se sempre caso a caso.
Joana Santos
(Terapeuta da Fala)

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