A embalagem é a mesma, tal como o ADN…Os bebés de hoje são semelhantes aos bebés das sociedades dos caçadores recolectores que nos precederam. Pais e educadores de hoje têm negligenciado este hardware que todos trazemos de um passado não muito recente

Os pais ouvem dizer que os bebés nascem sem livros de instruções e acreditam que alguém há-de ser especialista nesta matéria tão “confusa”. Admitem que os pediatras são as pessoas certas para dissipar todas as dúvidas e este médico especialista corre o risco de se transformar rapidamente num livro de instruções, que não existe, ou num guia de conselhos, sem evidência científica.

Há perguntas a que um Pediatra não deve responder e tudo começa e acaba porque nos esquecemos de onde vêm os bebés de hoje. E não, não é de Paris, nem são as cegonhas que os trazem. Os bebés de hoje não são muito diferentes dos bebés que nasciam há 20 mil anos. O hardware é semelhante.

Esquecemos que em mais de 95% de toda a história da evolução da espécie humana, o homem foi sempre caçador-recolector. Ainda não saímos desse registo e as qualidades herdadas vêm todas da “alteração primata”. Ou seja, a história do Homem é esta, e a tecnologia ainda não conseguiu alterar essa marca ou pacote genético que cada um de nós carrega.

Assim explicado é fácil perceber que um bebé do século XXI continua a precisar de contacto físico (da mãe, principalmente) e que o medo da distância é perfeitamente normal.

O caçador-recolector vivia em pequenos grupos e as crianças aprendiam com outras crianças, sem serem separados por faixas etárias. Existia ar livre, brincadeira (muita brincadeira em contacto com a natureza e aprendendo a lidar com o perigo) e outro tanto imaginário e, tudo o que imaginavam ou precisavam teria de ser construído (e não comprado). Aliás, há teorias que admitem que este modo de vida foi importante para fomentar a resiliência da espécie, a mesma que hoje começa a faltar.

Por isso, se no próximo Natal, oferecer um brinquedo bastante sofisticado ao seu filho/a e ele o trocar por tachos e panelas, perceba que esse é o quotidiano que ele aprecia e não tanto aquilo que os pais pensam que ele irá gostar…

A alimentação é também outra das grandes preocupações dos pais de hoje. Porquê? Porque deixou de ser intuitiva, seria bom lembrar que nas sociedades de caçadores recolectores os bebés mamavam até aos 3 ou 4 anos, até porque esta era uma fórmula de espaçar os nascimentos (a mulher não engravidava durante o aleitamento). Depois, eram introduzidos os vegetais, as bagas, as raízes e os frutos, previamente mastigados pela mãe – porque naquele tempo não existiam picadoras. A carne seria introduzida posteriormente e em pequenas quantidades. Ou seja, nestas sociedades, os bebés teriam que dar funcionalidade prática à mastigação.

Não existiam papas, nem outros suplementos, tal como não existiam distrações ou outros entreténs para comer, hoje quase imprescindíveis para que a criança coma tudo o que lhe põem no prato…. Tal como também não existiam colheres… Esses bebés comiam com a mão e as avós não tinham medo que se engasgassem.

Não menos importante era ainda o transporte das crianças. Andariam ao colo, claro e sempre próximas da mãe, que mantinha as suas funções de recolectora. A criança andaria ao peito e virada para o mundo ou às costas e, da mesma forma, com visão para tudo o que a rodeava. Hoje, as crianças/bebés passeiam deitadas em carrinhos e, quase sempre bem protegidas e tapadas, dificultando o contacto com esse mesmo mundo exterior.

À noite, a criança nas sociedades dos caçadores- recolectores dormia junto aos pais. Era assim que se sentia protegida… No século XXI, os pais dizem aos pediatras que os filhos dormem no quarto da criança, mas os pediatras não acreditam muito nesta separação ou emancipação dos bebés.

Texto elaborado a partir da conversa no Exploratório, com Luís Januário (médico pediatra)

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