As imagens detalhadas do interior do corpo humano são uma das melhores respostas que a tecnologia nos permite ter em saúde. Mas recorrer a essas mesmas imagens para guiar o tratamento localizado, maximiza a taxa de sucesso
A dor e em particular a dor de costas é um sintoma extraordinariamente complexo e, quando se torna crónico, isto é, ultrapassa cerca de 3 meses de duração, passa a ser mais uma doença do que propriamente um sintoma. Ou seja, deixa de ter a utilidade de sinalizar uma doença potencialmente grave subjacente e passa a ser ela própria a doença.
É muito habitual um doente em consulta pedir “Dr. eu já ando com esta dor de costas há anos, experimentei de tudo, já fui operado várias vezes, eu agora só quero mesmo que me receite um medicamento para me tirar a dor, nada mais”. É um pedido simples e totalmente legítimo, mas – infelizmente – muito difícil de satisfazer.
A tecnologia não oferece uma resposta milagrosa para tudo. Mas pode ajudar muito na procura da melhor saúde para todos nós. A especialidade de Neurorradiologia, por definição, é uma das que faz uso da tecnologia mais sofisticada, complexa e moderna, no sentido de conseguir ver o interior do corpo humano, mais especificamente o sistema nervoso (cabeça, pescoço e coluna), sem ter de o abrir. Isto é, permite ver imagens do interior do corpo para percebermos qual a origem do problema, assim como guiar instrumentos, o mais finos possível, até à origem da patologia e, uma vez aí chegados, introduzir substâncias ou exercer, por meios físicos ou químicos, alterações no sentido de tratar ou controlar a patologia.
As principais técnicas de imagem usadas são a ecografia, a TAC (tomografia computadorizada), a fluoroscopia e a ressonância magnética. A ressonância magnética (RM) de 3 tesla, como a recentemente instalada no Centro Cirúrgico de Coimbra, oferece várias vantagens no estudo da dor de costas, especialmente devido à sua capacidade de fornecer imagens de alta resolução. Permite assim:
– Maior Detalhe: Com um campo magnético mais forte, a RM de 3 tesla oferece imagens mais detalhadas, proporcionando uma melhor visualização das estruturas anatómicas, como discos intervertebrais, nervos e tecidos moles.
– Melhor Deteção de Lesões: É mais eficaz na identificação de pequenas lesões, inflamações ou anomalias, que podem não ser visíveis em RM de menor resolução.
– Avaliação de Tecidos Moles: A RM de 3 tesla é excelente para diferenciar entre diferentes tipos de tecidos moles, o que é crucial para identificar problemas como hérnias discais ou alterações nos ligamentos e músculos.
– Menor Tempo de Exame: Reduz significativamente o tempo necessário para o exame, o que é mais confortável para o paciente.
– Estudos Funcionais: Permite a realização de estudos funcionais e espectroscopia, que podem ser úteis em investigação ou em casos mais complexos de dor crónica.
Mesmo com a tecnologia mais moderna, por vezes, não é possível determinar com exatidão qual a origem da dor. Com efeito, na maioria dos casos, a dor tem origem em fenómenos inflamatórios e autoimunes das várias estruturas que constituem a coluna, como os discos interverterias, as facetas articulares, as articulações sacroilíacas ou o próprio osso.
Os meios tecnológicos mais sofisticados permitem-nos ver hérnias, protrusões, procidências, extrusões, artroses, bicos de papagaio, fraturas, fissuras, afundamentos, massas e quistos, entre outros. Permitem-nos também ver – em alguns casos – a inflamação sobretudo do osso, mas não os casos mais subtis de inflamação / autoimunidade, que são por vezes altamente sintomáticos e responsáveis pela dor. Mas, voltamos a recorrer à tecnologia para proporcionar ajuda, porque nos permite orientar instrumentos muito finos, semelhantes a agulhas, até à potencial origem da dor, sem danificar os tecidos à volta, torna-se legitimo realizar a prova terapêutica.
Tal não é inédito em medicina. Quando se tem uma amigdalite ou pneumonia, embora o ideal fosse colher uma amostra para cultura e para o teste de sensibilidade aos antibióticos, na maioria das vezes o que se faz é a prova terapêutica, isto é, administra-se o antibiótico na esperança de este matar a hipotética bactéria que poderá estar a provocar o problema, mesmo que não se tenha a certeza que a amigdalite seja de origem bacteriana ou, sendo, que a bactéria será sensível àquele antibiótico. O mesmo acontece com quase todos os medicamentos analgésicos, que são administrados, sem que o médico tenha a certeza se o medicamento vai aliviar a dor. Poderiam ser dados muitos outros exemplos, mas em resumo, apesar de não ser a atitude ideal em medicina, é por vezes a melhor opção para ajudar a resolver o problema de saúde do doente, já que as alternativas seriam menos seguras e menos eficazes.
Com a segurança de técnicas minimamente invasivas guiadas por imagem podemos chegar às várias estruturas anatómicas, onde suspeitamos estar a origem da dor (suspeita esta baseada na historia clínica, exame objetivo e meios complementares de diagnóstico, dos quais as modernas técnicas de imagem são as mais importantes).
É possível realizar tratamento em vários locais da região suspeita e assim maximizar a probabilidade de sucesso, sem risco significativo de efeitos adversos. Aliás, se levarmos ao limite este raciocínio, mesmo tratando por exemplo vários discos interverterias e várias facetas articulares, ainda assim o alvo terapêutico é mais restrito do que quando tomamos um comprimido – por exemplo – anti-inflamatório que será disseminado por todo o corpo, nomeadamente para órgãos onde é completamente desnecessário e onde poderá provocar (eventualmente) algum outro efeito no estômago, fígado, rins, cérebro ou coração. Com as novas tecnologias, é possível realizar nucleólises percutâneas, rizotomias, vertebroplastias, aspiração de quistos guiados pela tecnologia de imagem mais precisa, sempre com elevada segurança e eficácia.
Os algoritmos de inteligência artificial, em amplo desenvolvimento na atualidade, poderão ainda – num futuro próximo – baseados numa série de marcadores biológicos de relevância determinar, avaliar a evolução da patologia e indicar qual a melhor abordagem terapêutica, tendo em conta o prognóstico de cada patologia.
A tecnologia é assim uma ferramenta muito importante embora tenha que, naturalmente, ser enquadrada numa avaliação clínica completa, no sentido de obter o melhor resultado, que é conseguir uma melhor qualidade (e quantidade) de vida para o doente que nos procura.
Miguel Cordeiro
(Médico, Neurorradiologista)
Deixar um Comentário