Hoje, os meios complementares de diagnóstico permitem-nos conhecer um pouco melhor esta doença e a devastação que provoca no interior do olho humano. As ações terapêuticas já conseguem prevenir e tratar as complicações, mas ainda não conseguem reverter uma oclusão venosa da retina

Chama-se oclusão venosa da retina porque ocorre uma obstrução total ou parcial das veias da retina. A normal circulação de sangue é interrompida, as veias dilatam, surgem hemorragias e edemas. Esta é a segunda causa de perda de acuidade visual por alteração vascular da retina, e tem uma distribuição uniforme por sexo em todo o mundo. Por vezes, a sua classificação clínica é um desafio, mas foi tradicionalmente subdividida na literatura em 2 tipos principais: a oclusão da veia central da retina, com uma prevalência de 0,1% a 0,4% e a oclusão venosa de ramo, que afeta 0,6% a 1,2% dos indivíduos.

As causas das oclusões venosas da retina são multifatoriais, mas permanecem mal esclarecidas e têm sido associadas com a idade, com fatores de risco cardiovasculares – hipertensão arterial, dislipidemia, aterosclerose; com a diabetes e doença renal; mas também com fatores ambientais, como o tabagismo. Do ponto de vista ocular, o glaucoma e a hipertensão ocular também são importantes fatores de risco para a oclusão da veia central da retina. Estados de hipercoagulabilidade, herdados ou adquiridos, também são considerados fatores de risco para estas doenças da retina.

Atualmente, os meios complementares de diagnóstico de que dispomos com técnicas de imagiologia multimodal, permitem uma avaliação diagnóstica precoce e bastante exaustiva da oclusão venosa e das suas complicações:

– Retinografia, Imagem de campo largo

Fotografia do interior do olho para registo, diagnóstico, e monitorização do quadro clínico durante a evolução da doença.

Tomografia de Coerência Ótica – OCT

O OCT permite avaliar a espessura da retina – que está aumentada quando existe edema macular (acumulação de líquido na retina), e a estrutura/morfologia da retina. O uso deste sistema na prática clínica, desde 2002, revolucionou a avaliação da patologia da retina e das suas complicações.

– Tomografia de Coerência Ótica – Angiografia – OCTA

Este sistema permite avaliar os vasos da retina de forma não invasiva – não requer administração de produto de contraste. É possível também avaliar áreas que deixaram de ser vascularizadas – áreas de isquemia da retina.

– Angiografia Fluoresceínica

Exame que permite analisar os vasos da retina após administração de um produto de contraste. Dá informação sobre a perfusão da retina, presença de áreas de não perfusão da retina (áreas de isquemia), existência de neovasos.

Tal como a metodologia usada para diagnóstico, também as opções terapêuticas têm evoluído nos últimos anos, permitindo melhores resultados anatómicos e funcionais para os doentes com esta patologia. Ou seja, as novas abordagens terapêuticas, nomeadamente a injeção na cavidade vítrea de fármacos anti-VEGF e de corticosteroides melhoraram (revolucionaram) o prognóstico visual destes doentes e, portanto, a sua qualidade de vida!

Ressalve-se, no entanto, que perante esta doença com múltiplas possíveis causas concorrentes, oculares e sistémicas, a avaliação destes doentes deverá ser multidisciplinar

– Classificação da Oclusão Venosa da Retina (OVR)

São considerados 3 subgrupos de OVR, reconhecidos com base na localização da veia que está ocluída: oclusão da veia central, oclusão hemicentral e oclusão de ramo. A oclusão da veia central da retina (OVCR) envolve todo o sistema venoso da retina (os 4 quadrantes da retina), pois a oclusão está localizada ao nível do disco ótico. Classicamente, a OVCR foi dividida nas formas isquémica e não isquémica, com base na presença e dimensão de áreas de ausência de perfusão da retina (áreas de isquemia), de acordo com os resultados publicados por um estudo clínico nesta patologia – que decorreu na década de 1990 (Central Vein Occlusion Study – CVOS).

Os critérios estabelecidos foram, ao longo dos anos, alvo de debate e alguma controvérsia. No entanto, a identificação de uma forma isquémica – ab initio ou após conversão (evolução) de uma forma não isquémica (e esta progressão foi estimada em até cerca de 30% das oclusões não isquémicas) permite identificar olhos em alto risco de desenvolver neovascularização e, consequentemente, perda funcional, ou seja de acuidade visual, e perda estrutural – anatómica que pode ter consequências devastadoras.

A oclusão venosa hemicentral envolve um hemisfério do fundo ocular (superior ou inferior), e a oclusão presume-se que ocorre em um dos 2 troncos da veia central. É considerada uma variante da OVCR, partilhando um quadro clínico, evolução e complicações semelhantes.

A oclusão venosa de ramo tipicamente ocorre numa área de cruzamento arteriovenoso, tipicamente situado ao longo do percurso de um ramo venoso principal; a localização em relação ao disco ótico delimita a extensão da área envolvida (setor) e a gravidade clínica. Também são consideradas formas isquémicas e não isquémicas, identificadas em cerca de um terço e dois terços dos casos, respetivamente. Por vezes, a oclusão venosa da retina pode surgir combinada com oclusão arterial da retina, em simultâneo, situação normalmente associada a doença sistémica.

Clinicamente, os doentes referem uma perda de visão indolor, com gravidade variável na altura da apresentação. No exame clínico do fundo do olho, observam-se hemorragias dispersas na área da retina – de acordo com o tipo de oclusão mais ou menos exuberantes, associadas a outras lesões vasculares. Com a evolução do quadro clínico, as oclusões venosas da retina podem complicar com o desenvolvimento de:

– Edema da retina – é a complicação mais frequente. Surge por alteração da parede dos vasos da retina – rutura da barreira hemato-retiniana. O edema da retina traduz a presença de fluido no espaço intrarretiniano, o que compromete a longo prazo a estrutura da retina; é um dos alvos terapêuticos.

Neovasos – presença de vasos sanguíneos que crescem de novo e que têm uma estrutura anómala. Podem surgir na iris, e originar aumento da tensão ocular – glaucoma neovascular, muitas vezes difícil de tratar e de reverter, na superfície da retina ou do disco ótico, e ser o ponto de partida de hemorragias, nomeadamente no vítreo, tração da retina e eventual progressão para descolamento da retina.

Tratamento das Oclusões Venosas

Será necessário identificar os fatores de risco sistémicos, que podem estar associados com a oclusão venosa e correção. Pode ser necessário uma avaliação multidisciplinar. Em termos de tratamento oftalmológico, não existe, atualmente, qualquer tratamento que possa reverter uma oclusão venosa. As ações terapêuticas oculares destinam-se a prevenir e tratar as complicações das oclusões venosas, como o edema macular e a neovascularização.

Neste caso, as opções terapêuticas podem ser frequentemente associadas e podem incluir:

– Fotocoagulação com LASER;

– Injeção de anti-VEGF na cavidade vítrea;

– Injeção de corticosteroides na cavidade vítrea;

– Tratamento cirúrgico: hemorragia do vítreo, descolamento da retina por tração.

Isabel Pires
(Médica, Oftalmologista)

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