A grande longevidade está aí. Falta formatar o novo paradigma. Há tarefas ainda por fazer, como a mudança da visão preconceituosa e negativa que ainda hoje prevalece sobre a velhice

Há um tempo para tudo, desde trabalhar numa qualquer profissão, até para sair, dando lugar a outros e a novas gerações, num contínuo em que se aconselha descrição e uma capacidade de olhar para o futuro com algum otimismo. A geração que desfruta agora a terceira idade é constituída por pessoas que passaram por guerras, por grandes mudanças sociais e culturais, pela repercussão do grande desenvolvimento científico e tecnológico e também pela aceleração dos ritmos de vida e de uma informação cada vez mais global.

De toda a amálgama de vivências, dos sobressaltos e inovações experimentadas, podemos dizer que o estilo de vida, condições socioeconómicas e os progressos na área médico-sanitária ditaram – nas últimas décadas – um envelhecimento prolongado e a consequente necessidade de proporcionar a um maior número de pessoas, um quotidiano de bem-estar.

Sabemos que o tempo do trabalho, no total da vida adulta, tem certas determinantes e a aproximação da idade da reforma determina, em cada um de nós, reajustamentos. Nesta transição há ganhos e perdas que cada um deve gerir de acordo com as suas expectativas, mas com sabedoria para desfrutar o tempo disponível e dar sentido a este período do ciclo da vida.

As populações mais jovens olham para o ciclo da vida de uma forma mais flexível e perspetivam formas diferentes de organizar as várias fases, deixando para trás a visão dicotómica do “tempo do trabalho/ tempo da reforma” de significado vivencial muito diverso e redutor.

Hoje, já é frequente vermos pessoas a delinearem o futuro com uma idade avançada, introduzindo o trabalho parcial e várias atividades não remuneradas (voluntariado), de modo a obterem ganhos próprios com alguma produtividade e, simultaneamente, darem o seu contributo de cariz social. Assim, o envelhecimento torna-se ativo e mais satisfatório com as condições de bem-estar possíveis, sem constrangimentos e limitações e favorecendo uma boa saúde física, mental e psicológica.

Estes aspetos, muito valorizados em idades avançadas, impõem um investimento precoce na adaptabilidade aos condicionamentos decorrentes da idade, facilitando o bom funcionamento mental, a interação social e as boas condições físicas. Nesta perspetiva, cada um deve responsabilizar-se pelo que vai fazendo por si, pelo que faz do seu tempo livre, do lazer e do sentido que dá à vida.

Há, no entanto, numa sociedade já muito marcada pelos aspetos que mais nos vinculam aos outros, como o ser reconhecido, ser amado, ou algumas situações que envolvem grandes doses de desejo, os eventos como a morte do cônjuge, perda do convívio no emprego e falta de atividades de grupo, ou seja, acontecimentos que complicam a vivência e a saúde mental do mais idoso. Ao mesmo tempo há um empobrecimento da interajuda e da solidariedade social, o que facilita a existência da sensação de solidão, acompanhada quase sempre de emoções negativas como a tristeza, frustração, angústia e depressão.

Nestes tempos algo disruptivos e que nos põem perante aspetos mais filosóficos e políticos da existência humana, interrogamo-nos como se vai reconfigurar o tempo cada vez mais longo do idoso, o futuro sem segregação dos mais velhos. Sendo certo que teremos que revitalizar mais a interação social, desenhar novos papéis para essa população, levando a olhar para o avanço da idade sem medo e com a manutenção de uma boa autoimagem.

Este complexo conjunto de fatores formatam para as novas gerações uma grande longevidade, o que desperta para a consciência da necessidade urgente de um novo paradigma. O cientificismo mecanicista que hoje impera na organização social dos países desenvolvidos, deve ser substituído por uma cultura humanista, que valorize as pessoas, que tenha a capacidade de suprir a todos as necessidades básicas e crie uma atmosfera de solidariedade e bem-estar aos mais idosos, contribuindo para a construção de uma perceção individual de ter suporte perante os acontecimentos adversos.

É toda esta tarefa de mudança da visão preconceituosa e negativa, que ainda hoje prevalece sobre a velhice, que se impõe a utilização de novas motivações para uma abordagem que valorize o próprio viver e a sua qualidade, a humanização do espaço público, em detrimento da eficácia, da função, da imagem e até da quantidade da sobrevivência.

António Reis Marques
(Médico, Psiquiatra; OM n.º13137)

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