 
Estamos agradecidos aos professores (embora uma ex-amiga pense que gracejo). Sinceramente agradecidos. Era preciso ficar em casa e eles acompanharam as nossas crianças, fizeram planos de aulas, aulas, exercícios, correções, vieram todos os dias, aturaram as crianças e alguns pais, subitamente despertos para a pedagogia ou intrusores crónicos das salas de aulas.
Agora basta. Agora que já se sabe:
- que as crianças são raramente infetadas pela “coisa”
- que, quando adoecem, o fazem com pouca gravidade
- que, ainda mais raramente, são a fonte do contágio
Agora deixem as crianças em paz.
Agradecemos à Direção Geral de Saúde (DGS) a competência do seu trabalho. Sem a DGS não estaríamos aqui para dizer isto. E ela assegura que façamos a transição com segurança, como todos desejam. E ao Ministério da Educação ter ajudado os professores e os alunos, se o fez. E ao Hospital Dona Estefânia por ter tratado tão bem as crianças com Covid-19 pediátrico e ter adquirido tanta competência nisso. 
Agradecemos com a mesma humildade com que desprezamos os profetas da desgraça, os treinadores de bancada, os que fazem prognósticos no fim do jogo, os que dizem que têm vergonha do Estado Social e exigem tudo ao Estado. Mas agora agradecemos que nos deixem em paz.
Tratem os doentes, todos os doentes, mesmo os que adoeceram de medo, façam os testes necessários, fechem o que pode ser perigoso, paguem a quem trabalha. Mas deixem as crianças jogar futebol, basquete, patinar, fazer skate, natação, karaté, (pode ser ténis), dançar, saltar no trampolim, subir às árvores, correr nos campos do interior onde não houve doença, tomar banho no mar Atlântico, em Ofir, ou em Valhelhas, onde nasce o rio que passa pela minha aldeia. Deixem-nos voltar à Escola, às carteiras, às salas de aula, aos recreios, aos corredores, à esfoladela, ao seguro escolar, ao copianço. Fechem os computadores, os tablets, os androides.
O mundo é o mesmo, afinal.
Há youTubes e TEDs, há imensos conteúdos disponíveis em todas as plataformas e nós, como já disse, imensamente agradecidos, vamos lá sempre que preciso for.
Mas deixem as crianças ouvir, ao vivo, os senhores e as senhoras professoras. Mesmo que não digam coisas exatas. Que para isso é que há o contraditório e o exploratório.
Falta pouco para acabar o ano? Qual ano? Não vale a pena? Mas quanto é que vale a saúde mental das crianças? E o futuro?
Eu vi um menino, em lágrimas, que perguntava à mãe: isto vai ser sempre assim? Nunca mais há treinos? Nunca mais vejo os meus amigos? E garanti-lhe que sim. Acho que ele acreditou que eu estava a falar em nome dos adultos. Mas eu tenho falado com tão poucos adultos, nestes tempos.
Luís Januário
(Médico Pediatra)
 
																				 

Palavras sabias e assertivas … Parabens doutor Januário
ReplyNuma era em que tão poucos valorizam o trabalho dos professores, é reconfortante ler quem pensa e escreve para além da espuma dos dias.
ReplyTrabalho com crianças e sinto nelas a falta que os afetos fazem e a intensidade com que o procuram. Parabéns pelas suas palavras.
ReplyDo melhor e do mais lúcido que já li nos últimos 2 meses. Obrigada!
ReplyObrigada pelas palavras. E as crianças com cardiopatias graves? E as crianças com doenças crónicas? Podemos dizer que elas têm mais força mental para aguentar um desconfinamento mais tardio, ou podemos desconfinar? E se desconfinarmos, temos um futuro melhor?
ReplyPode esclarecer-me sobre isto?
Obrigada
Boa noite Teresa, sobre as questões que nos colocou, o Dr. Luís Januário esclarece: “Não há dados disponíveis para estabelecer factores de risco para doença Covid-19 em crianças. Embora a situação evolua rapidamente, também no que diz respeito a estes conhecimentos, a maior parte do que está escrito sobre estes factores provém do que se passa nos adultos, por extrapolação. O que podemos dizer é que não há evidência disponível para afirmar que as crianças com cardiopatias graves tenham um risco maior de contrair a doença. Desconheço dados sobre a resiliência em crianças com doenças crónicas que as torne mais resistentes aos riscos psicológicos de prolongado confinamento. E obviamente não prevejo o futuro. Mas como costuma acontecer, o futuro é resultado de múltiplas influências e decisões.”
ReplyRealmente como proceder com uma criança com uma cardiopatia? Eu não sei o que fazer com a minha mas quando apresentou um quadro de tiques e insónias recorrentes levei-a a andar de patins e bicicleta com as colegas mas como não achou que era "brincar" convidei uma amiga que esteve mais em casa para vir brincar com ela. Ficou feliz! Dormiu tão cedo. Mas agora inscrevo nas colónias de férias?
ReplyBom dia Luísa, admitimos que a reposta que o Dr. Januário deu ao outro caso idêntico, também responde às suas dúvidas
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