Avalia o equilíbrio entre a produção e a eliminação do humor aquoso e um simples ”sopro” pode revelar se existe ou não a eficácia necessária. A tensão ocular é um indicador da saúde visual e, tal como na tensão arterial, as alterações são silenciosas e sem sintomas. Mas, ao contrário do que muitos pensam, hipertensão ocular nem sempre é sinónimo de glaucoma…

Já ouviu falar em tensão ocular em consultas de Oftalmologia? Não necessita de começar a expor o braço e também não precisa ficar nervoso/a… Consiste na avaliação do tónus ocular e reflete o equilíbrio entre a produção do humor aquoso pelos processos ciliares (localizados por detrás da íris) e a sua eliminação pelo canal de Schlemm (localizado no ângulo formado entre a córnea e a raiz da íris). Se a produção e a eliminação do humor aquoso forem “eficazes”, os valores oscilam normalmente entre os 10-22 mmHg.

Habitualmente, a medição é feita por aplanação ou por sopro. Há que ter em consideração a espessura desta estrutura (ronda os 500-550 micrómetros), uma vez que, se for mais espessa, e consequente mais “rígida”, os valores serão mais elevados, sem que o tónus esteja realmente aumentado. O inverso ocorrerá se for mais fina. Deste modo é necessário fazer reajustamentos ao valor medido: subtrair ou acrescentar 2 a 3 mmHg se a córnea for mais espessa ou mais fina, respetivamente.

Se os valores da tensão medidos em consulta ultrapassarem os parâmetros “normais”, estamos na presença de uma hipertensão pontual. Deste modo, a tensão deve voltar a ser medida noutras ocasiões (em diferentes horas do dia e em diferentes dias), a fim de perceber se os valores são tendencialmente elevados.

Se a tensão ocular for subindo de forma progressiva ao longo dos anos, tal como acontece com a tensão arterial, não existem sintomas, nem sinais de alarme. Contudo, a hipertensão mantida ou grandes flutuações tensionais podem afetar o nervo ótico, a estrutura que é responsável pela condução dos impulsos nervosos ao cérebro.

A perda patológica de fibras nervosas (conhecida como glaucoma) pode conduzir ao aparecimento de uma escavação “anormal” no nervo ótico e esta alteração pode ser detetada numa observação rotineira do fundo do olho. Consoante a gravidade da perda das fibras nervosas, ocorre amputação do campo visual e da visão central, até à perda total de visão. Se houver deteção de hipertensão e/ou escavação patológica do disco, a doença glaucomatosa deve ser rastreada com aparelhos que analisam a contagem de fibras nervosas e com a realização de campos visuais.

A utilização de fármacos anti-hipertensores (que diminuem a produção e/ou aumentam a eliminação do humor aquoso) podem atrasar a progressão da doença e serão tanto mais eficazes quanto mais precocemente a mesma for detetada. Se não for possível controlar medicamente a hipertensão e se a doença continuar a progredir, o doente pode necessitar de ser submetido a uma cirurgia para aumentar a eliminação do humor aquoso. No entanto, ainda não é possível restituir a visão perdida no glaucoma, mas tão só tentar que a patologia não evolua e provoque mais danos.

Apesar de a grande maioria dos glaucomas serem associados a hipertensão ocular, infelizmente existem também glaucomas de tensão normal e de baixa tensão. Assim, outros fatores estarão associados à progressão, como raciais ou genéticos. Por isso, hipertensão ocular não é sinónimo de glaucoma, nem o glaucoma cursa sempre com hipertensão…

Quando falamos de glaucoma referimo-nos à doença que conduz à perda patológica de fibras nervosas e, consequentemente, com risco de perda visual.

Ainda não se conhecem medidas profiláticas para evitar a doença, como o estilo de vida ou medidas dietéticas mas, a título preventivo, deve ser feita a medição da tensão ocular e avaliação da escavação do disco como partes integrantes das consultas de Oftalmologia.

Os doentes que necessitam de fármacos que podem condicionar a elevação das tensões oculares, como os corticoides em uso crónico, também devem ser avaliados regularmente. E se a subida da tensão ocular for súbita e significativa? Ocorrem habitualmente sintomas de alarme, como dor intensa peri-orbitária, cefaleias, vómitos, náuseas e perda súbita de visão. Esse quadro pode surgir em doentes com ângulo estreito da câmara anterior (ângulo formado entre a córnea e a raiz da íris, onde se localiza o canal de Schlemm), e que pode ser rastreado na biomicroscopia (observação da parte anterior do olho ao microscópio).

Esse quadro doloroso e súbito ocorre por encerramento desse ângulo, com falência temporária do canal de Schlemm em drenar o humor aquoso, que fica retido na parte anterior do olho, descompensando a córnea – tornando-a turva – o esfíncter da iris (o que condiciona o correto funcionamento de abertura e encerramento da pupila) e nervo ótico.

Esta situação é conhecida por “crise de ângulo fechado” e pode ser prevenida se o ângulo for identificado como estreito atempadamente. Nesses doentes de risco deve ser proposto iridotomia com laser, ou seja uma abertura de pequeno orifício na iris com laser, feito em ambulatório, de forma a criar uma via alternativa de escoamento do humor aquoso.

Alguns fármacos antidepressivos e ansiolíticos, com efeito sobre a contractibilidade da iris, devem ser evitados nestes doentes. A hipertensão ocular pode ocorrer noutras situações, como em caso de doenças inflamatórias oculares, como as uveítes, geralmente associadas a processos reumatológicos, em que as células inflamatórias oculares se infiltram na malha trabecular do canal de Schlemm, “entupindo-o”. O controlo das doenças sistémicas de base pode reduzir a ocorrência das uveítes e diminuir a necessidade dos fármacos anti-inflamatórios e anti hipertensores oculares.

E se houver hipotensão ocular? Se o doente tiver sido submetido a cirurgia ocular recente pode significar que as incisões não estão estanques, com risco de hipotonia, descolamento da coroide (camada de tecido vascular que reveste parede posterior do globo), perda de visão e de infeções.

Se o doente sofreu um traumatismo recente, é habitualmente sinal de extrema gravidade por traumatismo do corpo ciliar (que contém os processos ciliares, responsáveis pela produção do humor aquoso) e risco de hipotonia permanente. Se nenhuma situação destas tiver ocorrido é provável que a hipotensão seja fisiológica e, deste modo, não cursa habitualmente com nenhuma das complicações descritas anteriormente.

Da próxima vez que for a uma consulta de Oftalmologia, informe-se sobre a sua tensão ocular e sobre a sua situação clínica.

Ana Sofia Travassos (Médica Oftalmologista)

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