É uma doença, mas só confirmada depois das inúmeras tentativas para engravidar não terem sucesso ao fim de 12 meses. A reprodução está comprometida, mas há quem ajude a inverter este destino. As técnicas de procriação medicamente assistida podem recuperar o voo de cegonha com entrega cancelada. A unidade do Centro Cirúrgico de Coimbra atingiu uma taxa de gravidez de 45%. Há muitas histórias que acabam com um final feliz
Nas últimas cinco décadas, o número de nascimentos em Portugal caiu para menos de metade. Simultaneamente, as mulheres têm – em média – o primeiro filho aos 31 anos, seis anos mais tarde do que acontecia há 30 anos.
Se é certo que a queda do número de nascimento de bebés nem sempre resulta de uma opção voluntária, também é verdade que, em Portugal, há pelo menos 10 mil novos casos de infertilidade todos os anos. É uma doença. Não manifesta dor física e os sintomas não são visíveis, mas o diagnóstico acaba por chegar ao fim de 12 meses de ausência de gravidez.
Definida como uma doença e considerada como um problema grave de saúde pública, a infertilidade pode ser estudada e as causas podem ser identificadas. Às vezes, há histórias que acabam com um final feliz. Em 90 a 95% dos casos é possível chegar a um diagnóstico e quase sempre a uma proposta de solução.
Hoje, sabe-se que a incidência e a prevalência têm vindo a aumentar em todos os países ocidentais, porque estamos sucessivamente a adiar a maternidade (à espera do momento ideal), estamos mais sedentários, mais obesos, consumimos álcool e tabaco, há mais poluição e está a aumentar a prevalência das infeções de transmissão sexual.
Tudo ingredientes que, juntos, ou isoladamente, acabam por provocar uma falência orgânica que se traduz em infertilidade. A capacidade inata para produzir vida fica comprometida. Sentimo-nos diferentes. Vazios e sem rumo. O bem-estar pessoal e familiar corre o risco de ser afetado. O estudo completo dos casais doentes permite quantificar as causas da infertilidade, que podem ter origem feminina (30%), masculina (30%), em ambos (30%) ou de causa desconhecida (10%).
Em alguns casos, basta uma simples terapêutica médica, como a indução da ovulação, a correção de distúrbios hormonais ou o tratamento de uma infeção para que o problema seja corrigido.
Noutros casos, pode ser preciso realizar uma intervenção cirúrgica ou recorrer às chamadas técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA). A inseminação intrauterina é a mais simples das técnicas de PMA e consiste na colocação de esperma tratado diretamente no interior da cavidade uterina. É uma técnica simples, rápida e praticamente indolor realizada no gabinete de consulta. As principais indicações para a sua utilização são a existência de fator cervical (incompatibilidade entre o muco do colo do útero e os espermatozoides), a presença de uma alteração ligeira da qualidade do esperma ou uma infertilidade de causa desconhecida. Esta técnica apresenta uma taxa de gravidez de 15% em um ciclo e uma taxa cumulativa de 50 a 60% de sucesso após três ciclos.
A Fertilização in vitro (FIV) também pertence ao grupo de técnicas PMA e consiste na união (em laboratório) dos gâmetas feminino e masculino. Ou seja, os óvulos são colocados juntamente com os espermatozoides em meios de cultura adequados e a fecundação ocorre espontaneamente. A principal indicação para realizar esta técnica é a presença de um fator tubar (alteração da função e/ou permeabilidade das trompas), mas também pode ser um recurso para situações de anovulação, infertilidade sem causa conhecida, por fator masculino ligeiro, por endometriose e fator cervical.
Por fim, deveremos ainda incluir nas técnicas de PMA a Microinjeção do Espermatozoide no Óvulo (ICSI), que tem como objetivo facilitar a fecundação através da redução ou eliminação dos obstáculos que os espermatozoides encontram na sua tentativa de penetrar no óvulo e de conseguir fecundá-lo. A técnica resume-se a uma microinjeção direta de um espermatozoide no interior do ovócito e é reservada para casos em que se prevê insucesso de fecundação em FIV, contribuindo para a resolução de muitos casos de esterilidade masculina grave.
As taxas de sucesso destas técnicas vão declinando com a idade, nomeadamente depois dos 35 anos. No caso da FIV, por exemplo, a probabilidade de ocorrência de uma gravidez é de cerca de 50% por tentativa até aos 35 anos da mulher. Depois, baixa para 20 a 25% aos 40 anos de idade e decresce ainda para os 10 a 15%, aos 42 anos de idade.
No Centro Cirúrgico de Coimbra, a unidade de Medicina da Reprodução (Clinimer) proporciona o estudo completo do casal infértil, bem como todos os tratamentos referidos, ainda com a possibilidade de criopreservação de embriões excedentários de boa qualidade, de modo a poderem ser utilizados em ciclos posteriores, sem necessidade de se recorrer a tratamentos de estimulação ovárica e a nova punção folicular.
Se for necessário recorrer a gâmetas de dador (óvulos e/ou espermatozoides), esta unidade faz o recrutamento de dadoras de óvulos e utiliza amostras de esperma provenientes de bancos de esperma, devidamente credenciados e autorizados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. De sublinhar que em ambos os casos é feita uma seleção criteriosa dos dadores, com realização (sistemática) de estudo genético e de doenças infeciosas (Hepatite B e C, SIDA, Sífilis, etc..). Para estes casos é ainda possível ter em conta outros fatores, como o grupo de sangue e as características físicas do casal recetor (estatura, cor dos olhos e do cabelo). A unidade de Medicina da Reprodução do Centro Cirúrgico de Coimbra está certificada pela Norma ISSO 9001:2015 e está sujeita a várias auditorias.
A última auditoria realizada em novembro de 2022 constatou a existência de uma taxa de gravidez clínica da ordem dos 49% na transferência eletiva de um único embrião. Este facto permite demonstrar que o cumprimento das atuais recomendações de segurança, privilegiando a transferência eletiva de um único embrião, de modo a evitar gestações gemelares e as suas complicações acrescidas, não comprometeram os bons resultados desta unidade, parceira do Centro Cirúrgico de Coimbra para as questões de infertilidade.
Margarida Silvestre
(Médica ginecologista-obstetra)
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