
Regula a nossa vida desde o primeiro ao último momento. Teima em apressar-se nos bons momentos e estende-se interminavelmente nos mais agrestes. Falo, claro, do tempo…
Desde que me lembro de ser “gente”, que sempre me senti impotente em gerir o “meu” tempo e de me sentir enquadrada nele, como se houvesse uma etapa seguinte melhor que teimava em chegar. Aos 3 anos queria ser “grande”, usar os saltos altos, maquilhar-me e ir para o trabalho. Mal sabia que ia ser mais cedo do que julgava…
Quando entrei no jardim infantil começaram os horários a cumprir, a pressão dos pais para me levantar, vestir, comer, lavar os dentes, vestir casaco, lembro-me de me sentir atordoada com tanta pressa. Não percebia como é que os “crescidos” não tinham qualquer controlo sobre os ponteiros do relógio… Aos 6 anos, quando aprendi a juntar as primeiras letras, sonhava com o dia em que iria ser capaz de as ler sem dificuldade. Nunca achamos que a partir desta tenra idade tudo começa a ser mais difícil e exigente. São os trabalhos de casa intermináveis depois de um dia sentada numa sala de aula, sem tempo para brincar… e um nunca mais parar… Mais trabalhos, mais responsabilidade, explicações, notas, tudo para um “futuro melhor” longínquo e incerto…
No ciclo, com 11-12 anos, comecei a invejar as raparigas mais velhas, por terem muitos amigos e serem convidadas para festas (ainda não existiam as redes sociais), e sonhava com o liceu. Depois, comecei a interessar-me por rapazes mais velhos, “inatingíveis” porque os da minha idade só pensavam em desporto. No liceu, começaram as incertezas sobre que área seguir, é de uma grande responsabilidade ter de decidir tão cedo e, principalmente, sem ter noção de nada. Como tinha boas notas, fui enquadrada numa turma de bons alunos, onde a competição desmedida me fazia querer sair dali para fora.
A mota veio antes dos 16 anos, deu-me muita liberdade, mas depois de algumas quedas e muitas “molhas” sonhava com o carro e a Faculdade. Entrei em Medicina na mesma cidade onde sempre vivi, por isso não tive a mesma liberdade de quem sai de casa. Senti que tinha entrado num mundo novo, cheio de desafios, mas também sem rede, cada cadeira tinha conteúdos intermináveis e o “peso” de querer fazer bem, fez-me passar por muitos momentos de angústia e desespero nos exames e orais. Depois de 6 anos de Curso, começou o Internato Geral, em diferentes Serviços Médicos e Urgência, em que, apesar de tutelados, esperam de nós muito mais do que parecemos ser capazes… Neste período, tínhamos de estudar para o exame de acesso à Especialidade, o “terror” de qualquer estudante de Medicina, pois é essa nota que define a Especialidade que poderemos escolher, independentemente das nossas aptidões. Só à 2ª entrei em Oftalmologia, ao mesmo tempo que era Assistente na Faculdade.
Foi difícil conciliar tudo durante 4 anos, entre aulas, consultas, trabalho de laboratório, sentia que o tempo não chegava para tudo. A sociedade cobra mais às mulheres, sentimos que temos de trabalhar mais do que o dobro para nos afirmarmos. Quando começamos a trabalhar, mesmo com anos de estudo, damos por nós a desejar ter mais anos de experiência, de modo a sentirmo-nos mais preparados e seguros.
E depois o nosso relógio biológico, tantas vezes silenciado por ordem profissional, começa a dar alarme… Depois de casar e de ter um emprego, é sempre o que “fica a faltar”. Foram, de todas as decisões da minha vida, as duas melhores que tive, as minhas filhas. Apesar de estar com elas muito menos tempo do que gostaria, porque nunca nenhum tempo é suficiente com elas, são elas que me fazem sentir plena e equilibrada. E, pela primeira vez, não quero que o tempo passe, quero mantê-las pequenas e “minhas”, protegidas de todas as adversidades e enquanto ainda nos deixam agarrá-las e mimá-las.
Depois, na adolescência, passamos a ser os vilões que as impedem de fazer o que querem… Nesta fase de mudanças, damos por nós a sonhar com a reforma, na altura em que podemos fazer tudo o que até então não tivemos disponibilidade, como viajar ou ler todas as obras que foram ficando para trás… Mas, por vezes, nesse período em que deveríamos poder envelhecer com qualidade, começam a surgir algumas mazelas, (se tivermos tido a sorte de não nos deparamos com elas bem mais cedo), que nos roubam a qualidade de vida e bem-estar. E daremos por nós a desejar sermos novos e na plenitude da vida.
Não devemos acelerar o tempo, não sabemos o que nos aguarda. O melhor que temos é aproveitar o presente, porque não sabemos quanto vai durar.
(médica oftalmologista)
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Gostei muito do texto . Senti – me dentro do seu conteúdo ,não só porque me identifiquei com ele mas também porque a conheço e sei o quanto tudo na sua vida ,e intenso
ReplyMuitos Beijinhos
Odete Videira