Não. Uns são mais inteligentes que outros. Os genes que herdamos e o ambiente onde crescemos marcam as diferenças.
Os filhos amam-se incondicionalmente desde o nascimento. No entanto, se podemos pedir dois desejos para estes, um será que seja saudável e o outro que seja inteligente. Mas o que é a inteligência, além de um adjetivo que usamos e abusamos no nosso dia-a-dia? A verdade é que, apesar de podermos definir inteligência de uma forma abrangente, como a capacidade intelectual necessária para aprender e aplicar o conhecimento e assim manipularmos o nosso ambiente, é muito difícil defini-la de uma forma mais concreta.
Existem várias teorias que apoiam a existência de múltiplas inteligências, ao contrário da ideia popular de uma inteligência única, mas o mais normal é pensarmos numa única forma de inteligência, global e abrangente. Se confiarmos no modelo único de inteligência, deparamo-nos com outro problema. Será que somos capazes de medi-la corretamente? Sem dúvida que estamos perante um problema difícil, uma vez que os testes de inteligência tradicionais resultam de um conjunto de testes muito específicos, testando áreas como a lógica e a linguística, ignorando por completo outras capacidades cognitivas.
De facto, só no início do século XX é que começámos a ficar obcecados por tentar medir a inteligência e em compará-la entre indivíduos. Os resultados destes testes, agrupados num valor a que chamamos quociente de inteligência (QI), agrupam a maioria das pessoas ao longo de uma escala, em que a maioria pontua em torno do valor médio de 100, com um pequeno número de pessoas em ambos os extremos da escala.
Agora que já percebemos o que é e como medi-la, resta-nos responder à mais importante questão: por que razão somos mais ou menos inteligentes? Obviamente que não existe uma resposta simples, mas podemos associar dois grandes fatores como responsáveis pela nossa inteligência. Um genético e outro ambiental.
Quanto da nossa inteligência depende dos genes que herdamos? Apesar dos valores diferirem de estudo para estudo, a maioria destes aponta para valores entre 50 e 80%, mostrando que apesar de tudo a genética é ainda um fator de primordial importância. Felizmente não se trata apenas de um único gene, mas sim de múltiplos genes, resultado da combinação aleatória dos genes herdados dos nossos pais.
Não podemos apenas acreditar que a inteligência é algo herdada e que não podemos fazer nada por ela. Pelo contrário, sabemos que o que nos rodeia, os chamados fatores ambientais, têm também uma importância grande na definição de inteligência. Assim, uma inteligência média se bem trabalhada e estimulada pode facilmente tornar-se numa inteligência superior.
Sabemos que uma alimentação adequada, especialmente durante a gravidez e primeiros anos de vida, pode influenciar positivamente a nossa inteligência. O mesmo se aplica ao aleitamento, com mães que dão de mamar a terem filhos ligeiramente mais inteligentes. Por outro lado, a exposição ao fumo do tabaco reduz o nosso QI até 7 pontos, quando comparado a quem não é exposto. Contudo, o fator ambiental mais importante é o acesso à educação e a um ambiente familiar adequado e rico em afetos.
Nem tudo são rosas. Ser muito inteligente também pode ser um caminho com espinhos. De facto, sabe-se que possuir uma inteligência acima da média está, por exemplo, associado a uma maior probabilidade de beber álcool e de tomar drogas. Também em termos de outras doenças mentais, sabemos que quem tem notas elevadas no ensino secundário tem 4 vezes maior probabilidade de vir a ter doença bipolar, sendo que esta relação é particularmente evidente entre estudantes de música e de literatura. Dados apontam para a velha associação entre a doença bipolar e a criatividade. Não é por isso de estranhar o conjunto de brilhantes personagens que sofreram desta doença, tal como Van Gogh, Hemingway, Jackson Pollock, Kurt Cobain, Mel Gibson, Robbie Williams e Nietzsche, bem como os nossos Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro.
Várias teorias têm sido avançadas para esta associação, como a hipótese de que para ter sucesso numa tarefa é preciso ter capacidade de processar a informação com muita rapidez, sendo essa elevada velocidade de processamento muito semelhante às ideias rápidas que frequentemente se observam nos estados de euforia típicos da doença bipolar.
Enfim, muitas são as teorias, poucas são as evidências. No entanto, apesar de tudo, um gene com o estranho nome de proteína neuronal calcium-sensor 1 está associado, simultaneamente, quer à criatividade quer à doença bipolar, mostrando assim existir uma ligação biológica entre ambas.
Talvez não seja assim tão importante ser demasiado inteligente. Devemos sim cuidar e preservar o nosso cérebro, não o agredindo em demasia, e continuar ao longo da vida a mantê-lo ativo e sempre estimulado.
(médico psiquiatra)
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Sigo com muita atenção o que este investigador vem publicando, e interesso-me por tudo o que diga respeito ao cerebro.
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