O processo começa com um enfraquecimento temporário das capacidades internas da mulher, que não consegue usar os seus métodos habituais de resolução de problemas e termina com o facto de constatar que nunca mais estará delimitada em si própria. Ser mãe é uma realidade perpétua e exige um reajustamento de personalidade
A gravidez é um momento em que os acontecimentos físicos estão em íntima relação com os acontecimentos psicológicos, concorrendo para a inevitável mudança. Embora sendo um momento esperado do desenvolvimento, a gravidez provoca um enfraquecimento temporário das capacidades internas da mulher, que não consegue usar os seus métodos habituais de resolução de problemas e vê os seus mecanismos adaptativos postos à prova.
A organização mental da mulher vai contar com novas características que jamais desaparecerão, diluem-se com o passar do tempo e com o crescimento da criança, mas aparecem sempre que necessário, por exemplo, quando o filho adoece ou está em perigo. Sempre que o filho precisa dela, a mulher reage como mãe, não importa a idade que o filho tenha. A organização mental da maternidade é agora uma nova parte do psiquismo da mulher, a qual é usada, primeiro intensamente e depois só em determinadas ocasiões. A maternidade não é então delimitada no tempo, é uma realidade perpétua e quem é mãe nunca mais vai ser capaz de estar delimitada em si própria.
De um modo geral, desde a adolescência à menopausa, fisiologicamente, todos os meses a mulher pode engravidar, mas do ponto de vista psicológico a maternidade não é um processo inato na mulher. A organização psíquica da maternidade cresce, lentamente, com o desenvolvimento de um conjunto de sentimentos e comportamentos adaptativos ao nascimento de um filho, e este processo avança por fases: primeiro, a mulher tem de se preparar mentalmente para a mudança; depois, tem de fazer um trabalho elaborativo que vai produzir os novos aspetos da sua personalidade; por último, tem de integrar estas mudanças no resto da sua vida.
O momento de fragilidade gerado com a gravidez não termina com o parto, pois, no puerpério, continuam a ocorrer mudanças maturacionais muito importantes. Assim, o puerpério deve considerar-se parte do momento de transformação, pois implica novas mudanças fisiológicas e psicológicas, e a consolidação da relação mãe-bebé e de grandes modificações na rotina e no relacionamento familiar, que começam a acontecer no início da gravidez. Todas estas mudanças afetam a mulher, intimamente e na sua relação com os outros, sobretudo com os outros elementos da família nuclear, obrigando a que haja redefinição de papéis na história da família, pelo que não devemos nunca desvalorizar o pai (e os outros filhos, quando já existem), quando falamos da gravidez do ponto de vista psicológico.
A gravidez é então um momento, não só do desenvolvimento da mulher, mas também do desenvolvimento familiar. No caso do primeiro filho, normalmente, os pais passam da área do que é unicamente conjugal para a área do que é parental, vendo a sua relação completamente alterada. Neste contexto, compreende-se que o nascimento dum primeiro bebé exija a criação de novas relações familiares e a gestão de novas identidades.
Relativamente à experiência íntima da gravidez e da maternidade, essa é, como o próprio nome indica, parte de um mundo privado, que só a mulher conhece, implicando mudanças tão profundas que ela própria tem dificuldade em explicar e expõe a mulher a uma realidade interior e de exigência externa em nada semelhante a qualquer outra experiência da vida adulta.
Ana Beatriz Condinho (psicóloga clínica)
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