A experiência é garantidamente imersiva. Isto porque, mesmo que se jogue várias horas tem-se a perceção de que só passaram alguns minutos. Com o videojogo estão criadas as condições para o indivíduo “ escapar à realidade”. A dependência pode ser o passo que se segue… e o sexo masculino é o mais afetado
A dependência de videojogos caracteriza-se pela incapacidade do indivíduo controlar o hábito de jogo, online ou offline, resultando num impacto negativo no seu funcionamento diário, incluindo as responsabilidades pessoais, sociais, educativas e ocupacionais. Segundo a OMS, este diagnóstico foi incluído na lista de doenças psiquiátricas em 2018.
Porém, os videojogos também podem ter benefícios no adulto, para além do entretenimento, melhoram a função executiva, como por exemplo a memória de trabalho, a alternância e o raciocínio. Assim, apesar de milhares de pessoas jogarem videojogos, apenas uma pequena percentagem desenvolve dependência, que segundo a OMS ronda os 3-4%.
A dependência de videojogos pode atingir crianças, adolescentes e adultos, sendo mais frequente no género masculino. Há dois tipos de videojogos: o jogado por um jogador e o online com vários jogadores. O videojogo apenas com um jogador envolve um objetivo claro e induz menor adição. Enquanto no videojogo online com múltiplos jogadores, o nível de adição é elevado, porque não tem um final predefinido, permite a comparação social, criando relações com outros jogadores online, dando uma sensação de pertença a um grupo ou a um “clã”.
Em 2019 e em Portugal, num inquérito realizado a adultos jovens com 18 anos, 25.9% dos rapazes e 3.5% das raparigas, gastavam mais de 6 horas/dia durante a semana em videojogos online, e ao fim de semana a percentagem subia para 32.6 e 4.5%, respetivamente.
Quais as componentes aditivas dos videojogos?
A adição de videojogos é considerada uma dependência comportamental, havendo vários fatores que contribuem para tal. Para ganhar um videojogo é necessário ter capacidade cognitiva e reflexos apurados, enquanto ganhar noutro jogo pode ser apenas uma questão de sorte. O videojogo é uma experiência imersiva, pois mesmo que se jogue várias horas tem-se a perceção de que só passaram alguns minutos. Para além disso, o videojogo permite uma gratificação instantânea, cria um ambiente onde o indivíduo “escapa à realidade”, a prática continuada dá vantagem ao jogador mais experiente, e a dificuldade no jogo vai aumentando consoante a qualidade do jogador aumenta. Os videojogos são desenhados para serem lucrativos, assim incorporam um feedback de reforço positivo intermitente, ou seja, tornando o jogo desafiante o suficiente, mas não difícil demais, evitando que o jogador desista dele.
Quais os sinais de alarme, na dependência de videojogo?
A Associação Americana de Psiquiatria definiu 9 sinais de alarme, bastando que o indivíduo manifeste 5 ou mais sinais, durante o último ano, para o diagnóstico de dependência de jogo se confirmar: 1) interesse constante em videojogos, 2)“sintomas de privação” quando não joga – irritabilidade, craving (ansiedade por jogar) ou tristeza, 3) necessidade crescente do tempo de jogo, 4) incapacidade de reduzir o tempo de jogo, 5) desinteresse em hobbies anteriores, devido ao videojogo, 6) manutenção do comportamento de jogo apesar das consciência do impacto negativo, 7) mentir sobre o tempo que gastou a jogar, 8) utilizar o jogo para lidar com emoções negativas (culpa, ansiedade, desamparo), e 9) prejudicar ou perder relacionamentos significativos, emprego e oportunidades de carreira devido ao jogo.
O que causa a dependência de videojogos?
Estudos de neuroimagem funcional mostram que em indivíduos com dependência de videojogos, tal como noutras dependências, verifica-se hiperativação do córtex ventromedial (implicado no planeamento, tomada de decisão, memória de trabalho, inibição de respostas automáticas, flexibilidade cognitiva), contribuindo para que se tomem decisões centradas em ganhos imediatos, sem antecipação de consequências futuras.
A dopamina é um dos neurotransmissores envolvidos na dependência de tabaco, álcool e drogas, e também na dependência de jogo. Sabe-se que o processo do jogar e ganhar, sendo uma experiência prazerosa, induz a libertação de dopamina. A dopamina ajuda a manter a atenção e o interesse numa tarefa, sendo por isso difícil para o próprio afastar-se do jogo. Para além disso quanto mais vezes se jogar mais dopamina será libertada, e maior a motivação para repetir o comportamento. Estudos de neuroimagem com Tomografia por emissão de positrões, mostram a libertação de dopamina em regiões do cérebro (núcleo caudado e estriado ventral) em jogadores, em comparação com indivíduos saudáveis.
Quais as consequências a curto e longo–prazo?
A curto-prazo o jogador evita dormir ou preparar refeições adequadas, levando à fome, fadiga, cefaleias, consumo abusivo de café (para se manter acordado), problemas de sono, descuido da higiene pessoal e não comparência a eventos familiares ou com amigos.
A longo-prazo a ausência de contactos sociais leva ao isolamento, e pode levar a alterações comportamentais, como a impulsividade, a falta de competências sociais, a violência, perturbações de ansiedade e depressão. Também problemas físicos, como dor no pescoço e região lombar, obesidade, diabetes e síndrome do túnel cárpico (devido à utilização do teclado ou rato), podem ocorrer. Para além disso, são notórias as consequências económicas negativas do jogo. O equipamento informático para videojogos é muitas vezes dispendioso, e o tempo que o jogo consome reduz o foco na carreira e nas relações afetivas, podendo levar ao insucesso académico, ao divórcio, ao absentismo laboral e até ao despedimento.
Comorbilidades
Muitas vezes na dependência de videojogos existe comorbilidade (presença simultânea de duas ou mais doenças), ou seja, esta dependência aparece como forma de lidar com outras patologias, como a fobia social, a perturbação de ansiedade, a depressão ou a perturbação de hiperatividade e défice de atenção. Em casos de perturbação do espectro do autismo, por existir uma preferência por meios tecnológicos de interação, a dependência de videojogos é mais prevalente.
Tratamento
O tratamento da dependência de videojogos deve incluir psicoterapia e pode incluir psicofármacos. A psicoterapia cognitivo-comportamental individual pretende ajudar a pessoa a identificar e alterar os pensamentos obsessivos e negativos associados à dependência de jogo, por pensamentos e hábitos de vida saudáveis. A terapia de grupo é uma psicoterapia onde as pessoas descrevem e discutem, em conjunto, os problemas de dependência que têm, sob a supervisão de um psicoterapeuta. Pode ser fonte de motivação e suporte moral para pessoas com dependência de jogo, principalmente se estas já perderam o contacto com amigos/ familiares, devido à dependência.
A abordagem psicofarmacológica deve ser dirigida ao tratamento de sintomas associados à dependência (por exemplo tratar a cefaleia, regularizar o sono) ou, em alguns casos, pode ser indicado iniciar um antidepressivo, que ajude a reduzir o craving.
Prevenção
Se é jogador de jogos online, é importante:
- Limitar o tempo de jogo,
- Manter-se offline (“screen-free”) quando conduz, chega a casa, nas refeições e antes de dormir,
- Utilizar apps que controlam o tempo de ecrã,
- Estar alerta: se gasta uma quantidade crescente de dinheiro no jogo, se aumentou o tempo de jogo ao fim de semana, se participa em encontros de jogadores, ou se é membro de comunidades de jogos,
- Procurar um grupo de suporte online para jogadores (por exemplo: game quitters),
- Encontrar outras formas de relaxar: dar um passeio, dançar numa festa ou ler um livro,
- Deixar o telefone e equipamento informático fora do quarto,
- Praticar exercício físico.
Estar atento a sinais precoces de dependência de videojogo é essencial e, se necessário, procure ajuda médica especializada.
(Médica, Psiquiatra)
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Boa tarde.
ReplyO meu filho é um dependente de videojogos. Ele já chegou ao patamar do isolamento, anti social, comportamento agressivo. Já fez algumas terapias com psicólogos mas sem resultados. Cada fez se está a afundar mais, e leva de arrasto a família. Já não sei como lidar com a situação. Ele já tem 34 anos. Ele reconhece que tem um problema grave, mas não faz nada por isso.
O que pretendo é que me indique uma clínica, médico, ou centro que trabalhe estes casos.
De momento sinto-me completamente impotente.
Grata pela atenção
Maria Lourenço
Bom dia, o seu filho deve ser visto por um psiquiatra, podemos sugerir a autora deste texto, Dra Sofia Morais,uma vez que já se trata de pessoa adulta, com 34 anos.
ReplyA mãe também pode contactar o instituto de apoio ao jogador, em Lisboa, que dará apoio psicológico.
http://www.iaj.pt