Ser velho é uma bênção e uma proeza. É preciso muita adaptação para aí chegar. São esses velhos todos, os que já viveram mais de 720 meses, que estão convidados para uma revolta. É preciso combater preconceitos e ideias distorcidas. Pagar meio bilhete no comboio não é a única regalia, há outras. A função cerebral e sexual melhora
Faço aqui um convite aos velhos que são tão maltratados nos tempos que correm. Entenda-se por velhos aqueles e aquelas que, aos 60 anos, estão cansados de ensinar os alunos de todas as escolas, os médicos que estão cansados de ver os doentes, os advogados que estão fartos dos tribunais, os juízes que estão fartos dos advogados, os camponeses que estão fartos da enxada, os empregados de todas as profissões que estão fartos dos patrões, os que despiram a camisa por causa dos filhos, os que ainda conduzem ou só conduzem por causa dos netos, os doentes que não gostam dos hospitais e das batas e dos remédios, tão caros e que levam a mesada toda. Estes velhos todos que, por terem 720 meses de existência, ainda têm algumas regalias, como pagar meio bilhete no comboio e estarem quase à beira de suspender o seu posto de trabalho.
Revoltem-se, solidários com outros velhos, como o vinho do Porto, que envelhece em cascos de carvalho para ser sorvido por ignorantes. Revoltem-se, solidários com os jovens, que têm mais medo da velhice que os “velhos”. O futuro dos jovens está em chegar à velhice, se possível adquirindo a sabedoria que os velhos têm. Os velhos limitam-se a gerir a velhice, com a sabedoria adquirida a cada ano, como se fosse o último, mas um último lá muito para a frente.
Ser velho é uma bênção e uma proeza. Iludir durante anos bactérias e vírus, seres vorazes, maléficos, e adaptar o seu sistema imunitário às agressões constantes é obra. Iludir a fome, os acidentes, a falta de emprego, ou a falta de respeito no emprego, é tarefa que o jovem tem para chegar a velho. Depois da longa travessia, até nem é nada mau chegar a velho.
Quando for velho quero envelhecer como o vento. É um bom processo envelhecer como o vento. Por vezes calmo, outras vezes em rajadas, mas sempre presente, pintado de cor nenhuma, invisível, mas a gente sabe que não vai embora, tal como os verdadeiros amigos que sempre nos acompanharam ao longo da vida.
Relativizar o tempo
Hoje, num planeta com biliões de anos de existência e com uma estrela a triliões de quilómetros de distância, temos de relativizar o tempo da nossa vida. É tão pouco e tanto o tempo que por cá andamos que, na realidade, a nossa velhice, sendo efémera, deveria ser bem-sucedida, protegida e não vilipendiada. Deveria ser um exemplo para os que caminham na nossa direção e transformar a bênção num nicho de conforto.
Avicena, o príncipe sarraceno da Medicina do século X, escreveu que a velhice só aparece a partir dos 60 anos e como meio de preservar a saúde, aconselhava exercício físico, beber água das nascentes, tomar banhos quentes e frios, expor-se ao sol às 9 horas da manhã e seguir regimes, fugindo das dietas dos médicos ignorantes. Para uma altura da história, em que praticamente nenhuma doença tinha nomes e os cuidados médicos andavam de braço dado com o Além, a orientação de Avicena mantém-se atualizada.
As boas práticas do século XXI preconizam que a prevenção das doenças e a manutenção dos doentes dentro dos limites, seja a orientação mais correta, de forma a que o suporte clínico assente fundamentalmente no médico de família. O controlo adequado dos hipertensos, diabéticos, cardíacos, obesos, ateroscleróticos e um grande número de situações do foro psíquico, dá ao clínico geral um poder e uma autoridade acima de qualquer outro. O seu papel é fundamental no aumento da longevidade, com maior qualidade de vida.
Hoje, a velhice não é considerada como na antiga Grécia, uma doença. Ficar mais velho não é sinal de decadência, tendo sido demonstrado num estudo longitudinal de Seattle, desde 1986, – Cognição e Envelhecimento – que um indivíduo idoso, muito para além da idade de aposentação, pode ter a opção de permanecer na força de trabalho, se quiser. Por outro lado, há uma associação entre saúde física e o desempenho cognitivo em declínio, significando esta avaliação científica que a performance do idoso se apoia na ajuda médica à saúde física e mental, mas é a sua participação ativa que acaba por ser fundamental.
Capacidades melhoram
Há uma ideia distorcida de que a função cerebral do idoso e a sua atividade sexual decaem inexoravelmente com a idade. Estudos científicos atuais provam, talvez com alguma surpresa para muitos, que algumas capacidades podem, inclusivamente, melhorar. Por exemplo, a velocidade de condução das informações no cérebro é mais rápida na pessoa de meia-idade do que nos jovens. A capacidade de resolver problemas, a orientação espacial e a memória verbal são melhores a partir dos 40 anos, por comparação com a faixa dos 20 anos.
Mas, não é só o cérebro que se torna mais sábio com a idade. Os melhores livros, as melhores telas, a melhor música clássica, a melhor descoberta científica, não foram sempre – ao longo dos séculos – executadas por adultos jovens. São inúmeros os exemplos de quem produziu a sua melhor obra na idade que leva o verdete de velho. Os 880 milhões com mais de 60 anos de idade, num universo de 7 biliões, têm um longo trabalho para combater preconceitos e ideias distorcidas.
Ao contrário de outros órgãos, o cérebro não diminui de volume com o esforço e também não engorda com o aumento de peso de cada um. Mas há um ponto, demonstrado cientificamente, que é necessário validar. Com o aumento do trabalho intelectual e físico, estabelece-se um maior número de ligações entre os neurónios, melhorando significativamente a atividade cognitiva. O esforço deve ser individual, de cada um. Seja estimulação pela leitura, por um jogo de cartas ou da malha, seja a ouvir música, a conversar com a família e amigos ou a diversificar o gosto pelas coisas que o rodeiam, aumentando a autoestima com exercício físico, etc., restando a ajuda adicional aos acamados ou aos que não podem deslocar-se pelos próprios meios.
O cérebro necessita mais de estímulos variados do próprio indivíduo do que de comprimidos para melhorar a memória. Deve ser tratado o que deve ser tratado, mas a inércia de cada um é tão perniciosa como o excesso de medicação.
Aos 60 anos ainda há neurónios suficientes
Com um peso médio de 1,5 kg, o cérebro tem, à nascença, um número programado de neurónios entre os 10 e os 30 biliões. No fim da adolescência, metade já desapareceu e, a partir dos 40 anos, morrem, em média, 100 mil por dia. Com esta razia toda, aos 60 anos ainda existem neurónios suficientes para, se não houver doença que os dizime literalmente (como algumas demências), conseguirmos aumentar as ligações e manter a atividade intelectual em alta performance.
O isolamento na velhice, mais do que uma doença, é a morte anunciada do cérebro, percorrido em cada momento por 25 cc de sangue arterial, que transporta 20% de toda a glicose e 20% de todo o oxigénio do organismo, absolutamente essenciais à vida. Sem oxigénio, durante três minutos, o cérebro morre. Se entendermos que cada neurónio é um cérebro em miniatura, a interrupção dos circuitos, como acontece nos acidentes vasculares, pode provocar graves alterações motoras, da linguagem e outras.
Atenção velhos, mantenham os neurónios ativos, estimulando-os diariamente, física e intelectualmente, com coisas tão simples como conversar, andar e manter alerta a sexualidade. Num estudo recente nos EUA, 50% de indivíduos com 70 anos de idade mantinham uma atividade sexual uma a duas vezes por mês e 11% regularmente, todas as semanas. 50% das mulheres com mais de 80 anos, referiram ter orgasmos, a maioria das vezes durante o sexo, certos ou fingidos, mas sempre prazenteiros. Acrescente-se ainda que 75% dos homens e 70% das mulheres, com mais de 60 anos, reportam satisfação sexual maior que aos 40 anos. As mulheres mais velhas dizem ter mais confiança em expressar a sua sexualidade e é isso que torna o sexo melhor.
Atenção velhos, manifestem-se contra a descriminação e os preconceitos, reivindiquem a posição forte de sexagenários e tornem a velhice cada vez mais atrativa. O coração bombeia cerca de 9 mil litros de sangue por dia, cansa-se com o esforço e aumenta de volume com o acréscimo de trabalho. É o seu sistema de proteção. A função cerebral e sexual melhora com a prática e isso consegue-se durante toda a vida, muito para além da idade da reforma.
(médico neurocirurgião)
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Gostei. Parabéns ao autor. Na verdade é um privilégio chegar aos setenta, gozar a velhice , todos os dias querer viver mais, recordar tudo de bom que a vida nos proporcionou. Eu gosto de ser velha, fazer o quem gosto. Que possamos todos viver muitos anos com a saúde possível.
ReplyGostei muito, artigo certeiro como uma flecha de alguém muito conhecedor
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