Entramos num espaço que não pertence à Ciência, mas que provoca e causa sensações. O Gabinete de Curiosidades da Universidade de Coimbra está meticulosamente desarrumado e dá lugar ao espanto

Ou se gosta ou não se gosta. Não há meio-termo. O Gabinete de Curiosidades da Universidade de Coimbra abriu portas para provocar sensações.

Há peças raras, estranhas, chocantes e bizarras, mas também há borboletas engavetadas, um papa-formigas, um papa-ratos, um burro com seis patas, um osso de dinossauro, uma lanterna mágica ou um atum, bem por cima da canoa que o “poderia” pescar.

São mais de quatro mil peças numa exposição que está meticulosamente desarrumada, o que não é comum – tal como não é vulgar não existirem legendas ou explicações. Mas é isso mesmo que se pretende, provocar sensações, sem orientação.

Aliás, a penumbra está presente logo à entrada, sinalizando que o que se vai encontrar não pertence ao tempo da Ciência, da explicação e da procura de um sentido para tudo.

A génese dos Gabinetes de Curiosidades dos séculos XVII e XVIII era assim. O curioso, o bizarro, o exótico e o colecionismo armazenavam-se numa mesma sala, repleta até ao teto de artefactos e espécies raras. Existia uma inclinação especial para a raridade e o esotérico, sempre com a pretensão de colecionar o mundo numa mesma sala. 

O Gabinete de Curiosidades que o Museu de Ciência da Universidade de Coimbra abriu é uma interpretação desse passado, onde predominava a cultura da curiosidade.

Ultrapassada a cortina da penumbra e depois da visão focada para a luz, que nos guiará toda a visita, entramos no lugar do espanto (ou não) “Uau!”, “Que esquisito!”, “O que é isto?”, “que horror!” são frases soltas de quem ali passa. O exótico e o bizarro provocam essas reações. E por isso o público deve ser curioso, porque a interpretação de tudo o que vai ver é assim mesmo: livre.

O Gabinete das Curiosidades fica no Colégio de Jesus, na sala Carlos Ribeiro, que agora parece irreconhecível. Os armários são os mesmos e as escadas também, ambos com carimbo do século XIX, mas as janelas foram tapadas e têm agora um jogo de espelhos com projeções. A iluminação é feita à conta de seis mil LED’s, organizados num programa que varia de 20 em 20 minutos. O teto foi reforçado com uma estrutura que tem de aguentar com uma orca, um boi, um crocodilo, um atum, uma canoa… pendurados lá nas alturas; e os armários que revestem as paredes da sala acolhem mais de 4 mil objetos, ali colocados sem critério técnico ou científico. 

Apenas tinham de obedecer a duas condições: o século XIX é o limite temporal (com exceção da biologia) e algum sentido estético e conceptual. Paulo Trincão, diretor do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, confessa: “é uma exposição completamente ao contrário e está aqui menos de 1% do espólio da Universidade de Coimbra”. Fácil de perceber se tivermos a noção de que até há muito pouco tempo, tudo quanto era raro, estranho, exótico ou bizarro “era entregue à Universidade de Coimbra, para investigação e estudo”. E há ali algum acervo que se pode inscrever nos “chamados fenómenos” de coisas “nunca vistas”. Exemplos como a cobra com duas cabeças ou o burro com seis patas…

Os Gabinetes de Curiosidades de outrora eram tudo menos científicos. Aliás “tinham o espírito de recriar a obra de Deus numa só sala”. O fascínio pelo estranho enchia as salas e as peças acumulavam-se desarrumadas e sem critérios ou explicações.

Os mais inventivos ainda poderiam criar uma história à volta de uma única peça. Exatamente o mesmo que as crianças também fazem hoje, porque também elas ou gostam ou detestam. Mas se simpatizam com determinada peça, em menos de nada, imaginam uma história à volta do artefacto que elegeram como o mais fascinante.

É preciso ter este espírito para perceber porque um Museu da Ciência decidiu recriar esta antiga “espécie de Gabinete”, bem dentro do território da Ciência. “Funciona como uma limpeza mental”, porque no fim, o percurso deve incluir uma visita ao verdadeiro Museu, onde há organização e explicação.

Texto: Conceição Abreu
Fotos: Robert van Velze

Dois em um

 O acesso ao Gabinete de Curiosidades da Universidade de Coimbra (UC) é feito mediante a compra de um bilhete vendido online ou na loja da UC.

O bilhete permite visitar o Laboratório Chimico + o Gabinete de Curiosidades e o preço para particulares é de 8 euros (adulto). Para as pessoas com mais de 65 anos de idade, o preço reduz para 6 euros, o mesmo valor que também pagam as visitas que têm entre 13 e 17 anos. Abaixo dos 13 anos e se estiverem acompanhadas por um adulto, as crianças têm entrada gratuita.

O horário das visitas é das 9h00 às 13h00 e das 14h00 às 17h00.

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