Claramente, a reabilitação auditiva está mais eficiente e confortável. A conjugação entre surdez e tecnologia está a criar um mundo mais inclusivo e acessível às pessoas surdas. A terapia genética e os dispositivos personalizados e implantáveis serão as próximas soluções
Por surdez entende-se uma qualquer limitação na capacidade auditiva e esta é uma condição que pode afetar qualquer pessoa em qualquer idade, sexo ou raça, com uma enorme repercussão na linguagem e comunicação.
A perda de audição pode ser repentina ou progressiva, resultante de causas variadas, congénitas (perda auditiva presente à nascença, hereditária ou não) ou adquiridas, surdez que surge após o nascimento, em qualquer altura da vida, em consequência de diferentes situações. Pode variar desde uma perda parcial (ligeira, moderada, profunda) até à perda total da audição, devendo ser confirmada e caracterizada (surdez de condução, neurossensorial ou mista) por exames, de acordo com a idade do indivíduo e a situação clínica concreta. Basta uma diminuição ou alteração de audição para originar uma redução na perceção de sons e dificuldade de compreensão das palavras. Esse obstáculo aumenta com o tipo e grau de perda auditiva.
São várias as situações que podem provocar surdez e podemos identificar algumas:
- • Impedimento na entrada da onda sonora (som) no ouvido, como cera/cerúmen, corpos estranhos ou infeção da pele na entrada do ouvido (comum no verão, pela frequência de praias e piscinas);
- • Otites crónicas em que o grau da surdez vai depender da gravidade da doença;
- • Uma simples gripe, traumatismo do ouvido, acidentes vasculares cerebrais, variações na pressão (viagens de avião, mergulho), uso de determinados medicamentos, exposição a ruídos de intensidade elevada.
A estas, deveremos ainda juntar o envelhecimento – presbiacusia – que envolve particularmente a degenerescência do ouvido interno, embora também possa envolver outras partes do sistema auditivo. A perda auditiva é progressiva, afetando preferencialmente as frequências mais elevadas. À medida que a idade avança, vai-se perdendo alguma qualidade da audição e consoante a sua gravidade, pode haver necessidade de usar aparelho auditivo para conseguir manter as atividades do quotidiano.
A perda auditiva em idosos, também conhecida como perda auditiva relacionada à idade ou presbiacusia, faz parte das alterações fisiológicas causadas pelo processo de envelhecimento humano. É considerada uma das mais frequentes e incapacitantes alterações, pois diminui o contato social do idoso, impedindo uma comunicação efetiva e como consequência o isolamento social, baixa autoestima, depressão e alto risco de perda cognitiva.
Apontada como um risco reversível e modificável, no que se refere ao declínio cognitivo e ao desenvolvimento da demência na população idosa, a perda auditiva deve ser diagnosticada o mais precocemente possível, uma vez que tal processo é pré requisito para que as intervenções adequadas sejam feitas e assim inverter ou minimizar o curso das alterações cognitivas.
Em qualquer caso, a repercussão a nível da linguagem e da comunicação pode ser enorme, afetando a interação social. A abordagem da surdez, qualquer que seja a sua origem, pode implicar tratamento médico, intervenção cirúrgica ou a sua associação. Em muitos casos, pode haver necessidade de recorrer a equipamentos específicos que permitam uma melhor audição: aparelhos auditivos, osteointegrados, implantes cocleares… É também importante sublinhar que existem pessoas que usam língua gestual e estão assim perfeitamente integradas, considerando-se simplesmente diferentes, e não “doentes”.
A reabilitação auditiva mais comum tem sido a adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual. Os aparelhos auditivos passaram por uma evolução significativa ao longo dos anos. Inicialmente, no século XIX, os primeiros dispositivos eram bastante rudimentares, muitas vezes consistindo em tubos que amplificavam o som, as “cornetas” (para quem gosta de banda desenhada, o Professor Tournesol, nos livros do herói Tintin, usava uma, com efeitos muito limitados…) Utilizadas para concentrar o som no ouvido podem ser consideradas uma forma de ajuda tecnológica. Com o avanço da tecnologia, surgiram os aparelhos auditivos eletrónicos, na década de 1950, que utilizavam transístores para melhorar a qualidade do som.
Na década de 1980, a miniaturização da tecnologia permitiu a criação de aparelhos mais compactos e discretos. A introdução de microprocessadores nos anos 90 trouxe outras melhorias, permitindo ajustes personalizados e melhor adaptação ao ambiente sonoro.
Nos últimos anos, a tecnologia digital revolucionou os aparelhos auditivos, permitindo uma qualidade de som superior, redução de ruído e conectividade com dispositivos móveis. Hoje, muitos aparelhos auditivos são equipados com recursos avançados, como controle por aplicativo, conectividade Bluetooth e inteligência artificial, que ajudam a personalizar a experiência auditiva de cada usuário. Esta evolução contínua tem proporcionado uma melhor qualidade de vida para milhões de pessoas com perda auditiva, tornando a audição mais acessível e confortável.
Atualmente e graças às mais recentes tecnologias aplicadas à audição, estão disponíveis várias soluções:
- • Aparelhos auditivos de dimensões e aparência que os fazem assemelhar a auriculares de ouvido, são quase impercetíveis, amplificando os sons e ajudando a pessoa a ouvir melhor;
- • Implantes osteointegrados e cocleares, estes últimos, dispositivos eletrónicos que estimulam diretamente o nervo auditivo, sendo uma opção para casos de perda auditiva mais severa;
- • Dispositivos de transmissão sem fio (Bluetooth) que conectam aparelhos auditivos, implantes ou aparelhos de assistência sonora a smartphones, televisores e outros dispositivos, facilitando a comunicação e o acesso ao som em tempo real e a adaptação pelo próprio;
- • Aplicações de inteligência artificial: que oferecem transcrição de fala em tempo real, tradução de idiomas e reconhecimento de sinais, ajudando na comunicação diária;
- • Baterias de longa duração e carregamento rápido: melhorias que aumentam a autonomia dos dispositivos auditivos e implantes.
- Essas inovações estão a tornar a reabilitação auditiva mais eficiente e confortável, apesar de ainda persistirem preconceitos e obstáculos à difusão destas tecnologias:
- • O estigma dos aparelhos auditivos;
- • Inconveniente e desconforto;
- • Expectativas irrealistas;
- • Preços elevados / limitações financeiras;
- • Comorbilidades/doenças associadas.
Contudo, as ajudas auditivas de que dispomos, até agora, ainda NÃO permitem restaurar uma audição normal. Mas o Futuro parece risonho.
A conjugação entre surdez e tecnologia está a criar um mundo mais inclusivo e acessível para as pessoas surdas. As inovações em aparelhos auditivos, as aplicações tecnológicas, a comunicação visual e a educação têm ajudado a melhorar a qualidade de vida e a promover a inclusão social.
À medida que continuamos a explorar novas tecnologias e a sensibilizar a sociedade, podemos esperar um futuro onde a surdez não seja uma barreira, mas sim uma parte da diversidade que enriquece a nossa sociedade.
Inovações em Biotecnologia, com avanços na pesquisa em áreas como terapia genética e dispositivos implantáveis estão a ser exploradas como potenciais soluções para diferentes tipos de surdez. Estas inovações e tendências representam um avanço significativo na forma como a tecnologia pode apoiar e melhorar a vida das pessoas surdas.
O futuro promete ainda mais inovações, à medida que a tecnologia continua a evoluir e a sociedade se torna mais consciente da importância da inclusão. Nos últimos anos, os avanços tecnológicos têm ultrapassado na realidade os sonhos mais ambiciosos. Provavelmente, o Homem Biónico está próximo.
Apesar da evolução tecnológica, existem milhões de pessoas que sofrem de surdez. Em 2024, calculava-se que mais de 1,5 mil milhões de pessoas, em todo o mundo, eram afetadas por um qualquer grau de perda auditiva.
- • Uma em cada oito pessoas com mais de 12 anos sofre de algum tipo de perda auditiva bilateral;
- • Os homens têm quase duas vezes mais probabilidades de sofrer perda auditiva do que as mulheres;
- • 2% dos adultos, entre os 45 e os 54 anos, têm perda auditiva incapacitante;
- • A surdez incapacitante afeta quase 25% das pessoas, entre os 65 e os 75 anos e 50% das pessoas com mais de 75 anos.
Estão bem evidentes as enormes vantagens da evolução tecnológica na acessibilidade do Mundo aos surdos, mas a esses benefícios também devemos juntar as desvantagens. Porque não há bela sem senão, é preciso sublinhar e alertar que existe muita surdez provocada pela tecnologia. Ela pode acontecer devido ao uso excessivo de dispositivos com volumes altos, como fones de ouvido, ou pela exposição prolongada a sons altos em ambientes tecnológicos. Há sempre dois lados numa mesma moeda, temos que aprender a escolher o lado certo.
Jorge Miguéis
(Médico, Otorrinolaringologista; OM n.º 27780)

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