Num momento de euforia, um traumatismo grave pode ser minimizado e o desportista pode não sentir dor, apenas porque o cérebro não descodifica essa informação. A ansiedade ou a depressão alteram substancialmente o limiar da dor, o que explica porque um soldado consegue manter toda a concentração na batalha, mesmo com um membro esmagado

Muitos anos antes da descoberta dos neurónios e da organização do sistema nervoso, a dor foi reconhecida como entidade com as mais variadas origens. Hoje, algumas ainda são um mistério ou, pelos menos, têm interpretações muito discutíveis.

Objetivamente, a dor, podendo ter uma causa física, tem sempre uma componente psicológica. Nem sempre é uma doença, mas pode ser quase toda doença. Nem sempre é um mal-estar, porque em momentos de gozo supremo, pode haver simultaneamente um misto de dor e prazer.

Mas, a dor é toda igual? Qual a dor do sofrimento profundo? E, quando estamos inconscientes, podemos sentir dor?

Nas avaliações dos comas traumáticos inclui-se um teste à dor, nas Escala de Glasgow, e a resposta indica um determinado grau de consciência. Pressupõe-se que é necessário um certo grau de despertar para reagir ao estímulo e a sua intensidade é importante para acionar a resposta.

Um paraplégico, se sofrer um acidente e fraturar uma perna, não sente dor, referida à fratura, mas sente dor se lhe picarmos a mão! No entanto, 10% dos paraplégicos podem sentir dor nos membros paralisados, igual à dor do membro fantasma que foi amputado.

A dor física, tornada evidente pelo dano circunscrito a um local do corpo humano, necessita que o cérebro esteja ativo e que as conexões, entre o local danificado e o cérebro, permitam o transporte dos estímulos. A descodificação da mensagem, a nível cortical, permite identificar o local, a intensidade da dor e a necessidade premente da sua eliminação.

Numa escala analógica de dor, de “0” a “10”, o “0” toma-se como ausência de dor e o “10” seria a dor máxima. Tomemos como exemplo a dor máxima “10”, dor insuportável, permanente e que necessita de medicação contínua. A dor máxima para uns pode ser apenas “9”, mas para outros pode ser “8”. O mesmo quadro, em doentes diferentes, pode reproduzir dores diferentes. Ou ainda, o mesmo quadro, em momentos diferentes do mesmo doente, pode ocasionar uma dor analogicamente diferente.

Na realidade, a ansiedade ou a depressão alteram substancialmente o limiar da dor crónica e, mesmo na dor aguda, supostamente conduzida por fibras diferentes, uma alteração emocional profunda pode dar, no limite, um registo de “9” ou “2” na escala analógica.

As modernas teorias da dor datam dos anos 60 do século passado, mas continuam a existir situações que não cabem na lógica da ciência contemporânea, revelando ainda alguma ignorância sobre toda a problemática da dor.

Raimundo Fernandes (médico, neurocirurgião)

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