Bem sabemos que o mais comum é querer descer o rio. Não fomos em modas e decidimos subir. Não fomos longe, é certo. Parámos em Penacova. Os moinhos, a livraria e a geografia serrana justificaram a paragem.
Foram os vales apertados e os meandros em que esta intriga se encaixa que nos cativaram o olhar. Ainda mal tínhamos saído da Portela (Coimbra) e já estávamos a abrandar o ritmo da viagem. Chegar à nascente deixou de ser o destino final, perdemo-nos de propósito nos vales apertados em que se enrola o Mondego. Seguimos rio acima, mas não fomos para lá de Penacova.
Viagem curta, mas com muitos contornos, curvas e desvios que justificaram parar. Claro que levámos os olhos de turista, apesar de estarmos quase em vizinhança. Lembrámo-nos que “quanto mais se olha menos se vê” e, desta vez, não nos esquecemos de olhar, sentir, cheirar e, por fim, degustar… Ao início ainda não tínhamos fome, deixámos a gastronomia para o final da viagem. Seguimos apenas com a vontade de ver e/ou rever aquilo que pensávamos conhecer.
No sentido oposto, dezenas de canoas faziam-se à água. Insistimos em não desviar o olhar, nem o percurso.
O casario aninhado nas encostas não deixa de nos intrigar, parecem casas perdidas no tempo. Como se chega lá? Há gente a morar lá dentro? É preciso subir a pulso a geografia serrana para perceber que são vários os lugares e as aldeias que fazem pensar se estarão perdidas no tempo ou apenas protegidas pela paisagem.
Por ali, os caprichos do rio Mondego continuam a ser respeitados e há uma margem de segurança que continua a ser acatada. O casario fica-se pelas encostas e o vale é reservado para o rio. Ficamos sem saber quem mais ordena, se o rio que se atreve e insinua ou as rochas que teimam em não vergar.
A Livraria do Mondego é disso que fala. As histórias de uma resistência ao tempo, ao longo de mais de 400 milhões de anos, estão ali escritas, nos quartzíticos silúricos. O monumento natural tem acesso privilegiado pela EN 110, mas também é avistado por quem circula no IP3. Em breve, a construção de uns passadiços irá permitir um frente-afrente com o contraforte de Entre Penedos.
Menos sorte e à espera de melhores ventos estão os moinhos. A florestação dos montes terá privado os moinhos da força dos ventos, mas é o desinteresse por este modo de vida que os afasta de andarem de vento em popa. Com as azenhas, as razões serão as mesmas, porque água não falta, mas já poucos a levam ao seu moinho. Moinhos e azenhas ainda mantêm o registo fora do tempo, mas apenas para que conste como memória futura. Tenta-se reabilitar a memória de um tempo, mas a tradição há muito que se perdeu. Os moleiros estão em extinção.
Os vales encaixados e estreitos, a biodiversidade ou o abraço das serras do Buçaco e do Roxo são ingredientes que se encontram numa só imagem, ou numa espécie de postal ilustrado, que podemos guardar como memória e relato da viagem. O melhor ângulo pode ser captado no miradouro Raúl Lino, na pérgula que fica no centro de Penacova. É a partir daquele varandim que melhor se percebe o que Vitorino Nemésio deixou explícito em palavras, «Penacova vale verdadeiramente pela sua romântica situação, debruçada como está sobre um dos mais selváticos trechos do Mondego». Não acrescentamos mais nada. É preciso ver para crer.
Para absorver o detalhe ou o pormenor, sugerimos passeios pedestres ou em BTT. Pelas margens do Mondego há parques de merendas que cativam, mas também lugares que escapam das rotas turísticas. Gavinhos, Lorvão, Portela de Oliveira, Porto da Raiva, Atalhada, Aveleira e Penedo do Lorvão, são apenas alguns.
No final, garantimos que ficará com fome. Não parta sem pelo menos provar uma nevada. Vai achar pouco, eu sei e vai querer repetir. A receita tem o selo da criação do Mosteiro do Lorvão, mas hoje é feita fora de muros e vale a pena saborear. Os adeptos da boa mesa já sabem que Penacova é também a terra da lampreia e estão habituados à romaria gastronómica. Entre fevereiro e abril fazem-se filas nos restaurantes da vila e arredores.
Mas, para além da gastronomia, há outros pretextos para subir o rio, e parar por Penacova e arredores. É entre Penacova e Coimbra que a versão “montanha” do Mondego proporciona um acesso mais fácil. Para cima, a caminho da nascente, o percurso do rio é mais acidentado e pouco acessível. É só às portas de Coimbra, na Portela, que o Mondego muda de cara, trocando as rochas graníticas pela planície aluvial. Mas, numa e noutra versão, este é o rio que sempre será “ Basófias”.
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