É preciso existir um aumento de peso descontrolado, ser mulher saudável e ter entre 20 a 35 anos. São estas as características comuns nos casos de hipertensão intracraniana idiopática. Ou seja, quando a almofada de proteção do cérebro pressiona o nervo ótico e os nervos cranianos sensitivos. Fortes dores de cabeça, visão dupla ou perda da acuidade visual são alguns sintomas
A situação clínica aqui apresentada hoje é bastante rara, com poucos casos por cem mil habitantes, e muito mal conhecida pela maioria dos clínicos. A sua presumível gravidade e possibilidade de reversão ou estabilização, justificam o seu conhecimento, não só pelos doentes, mas também pelos médicos que lidam diariamente com as queixas comuns.
Se uma doente com índice de massa corporal superior a 30, obesa, em estado reprodutivo normal, entre os 20 e os 35 anos, se apresentar ao seu médico de família com dores de cabeça violentas e persistentes, zoada nos ouvidos, com sensação de ouvido pulsátil, vertigens, dores tóraco-cervicais, visão nublada e confusão mental, é provável que possa ser enviada a uma consulta de neurologia. E, perante um exame neurológico negativo, pedem-lhe uma TAC cerebral e o exame virá relatado como normal, com ventrículos dentro dos limites, e sem massas intracranianas, hematomas ou tumores, nem sinais de infeção localizada ou generalizada, de tipo meningoencefalite.
Algum analgésico deverá ser prescrito e a indicação de voltar ao médico de família dentro de X tempo. Ao fim de duas semanas, a doente reaparece, agora com visão dupla e grande perda da acuidade visual. Mantém as dores de cabeça e, quando espirra, é como se lhe abrissem o crânio.
Perante o agravamento da visão, o clínico geral pede uma consulta de oftalmologia, e mais exames vão ser realizados com fundoscopia, campos visuais e outros que possam ser necessários, para entender a causa do edema papilar, e eventualmente da atrofia ótica associada.
Numa doente jovem, com tensão arterial normal, sem sinais de doença crónica, para além da obesidade, sem acidente prévio, e a entrar em pânico com as dores, e a perturbação da visão, será colocado eventualmente pelo oftalmologista o diagnóstico, entre outros, da hipertensão intracraniana idiopática.
Idiopática porque não se conhece a causa, e hipertensão intracraniana porque a punção lombar vai registar um valor acima do máximo normal (15mmHg ou 160mmH2O). A PIC (pressão intracraniana) pode ser registada em regime de internamento com sensores epidurais, subdurais, intraventriculares ou intracerebrais, registo que pode ser obtido continuamente durante o tempo que for necessário. Permite também fazer o diagnóstico diferencial com infeções ou hemorragias, resultado a obter quando se recolher o líquor.
Almofada líquida
Por comparação com a tensão arterial, a força que o sangue exerce sobre as paredes dos vasos – 120mmHg máx. e 70mmHg mín. – é bastante diferente da força do líquor sobre o cérebro com um valor normal entre 5 e 15mmHg.
Este líquido, tipo água de rocha, que se forma nos ventrículos cerebrais, a um ritmo de 0,35ml/min, atinge meio litro em 24 horas, constituindo uma almofada líquida que envolve todo o cérebro, medula e raízes da cauda lombo-sagrada. Circula dentro dos ventrículos, com um volume médio de 25cc, e constitui a almofada de proteção do cérebro e da medula nas acelerações, desacelerações e outras agressões bruscas, ou lentas, à cabeça e à coluna.
Se não houvesse absorção do LCR (líquor), ao 3º dia atingiria um volume de 1500cc, igual ao volume de um cérebro normal, podendo reduzir o manto cerebral a metade e conduzir ao colapso da função cerebral. Mas o LCR é reabsorvido ao nível dos seios venosos, e no caso da doença em causa, a reabsorção é deficiente, por eventual estenose dos circuitos venosos, e consequente dificuldade de drenagem, com aumento da pressão intracraniana.
Nestes casos, 85% das situações de hipertensão intracraniana acontecem em mulheres jovens, em que a obesidade é uma constante e com uma prevalência a aumentar nos últimos anos, tendo-se verificado entre 2003 e 2017, um aumento de 6 vezes a incidência no País de Gales, paralelamente ao aumento da prevalência da obesidade.
Relação direta com a obesidade
Há uma relação direta entre a obesidade feminina e o aumento da pressão dentro do crânio, conduzindo à compressão do nervo ótico, das meninges e dos nervos cranianos sensitivos. Responsáveis pelas dores de cabeça violentas, que aumentam com todas as situações que provocam maior pressão, como esforços físicos, tosse, espirros, etc. E, em certos casos, pode haver alterações cognitivas, com maior dificuldade em executar tarefas básicas e ter discernimento sobre problemas diários.
A urgência no tratamento passa pelo alívio da pressão nos nervos óticos, para recuperar a visão, minimizando concomitantemente o sofrimento causado pelas cefaleias, que se podem prolongar por meses e anos. A correção do peso, podendo ser feita médica ou cirurgicamente, tem um efeito significativo na normalização da PIC, com diminuição das dores e melhoria da visão. Tratamento médico com inibidores da anidrase carbónica são por vezes usados por largos meses. A cirurgia com derivação do LCR, ventrículo-peritoneal ou lombo-peritoneal, podem fazer a diferença na normalização rápida do distúrbio hipertensivo, havendo ainda países que utilizam a descompressão direta da bainha dos nervos óticos e, quando se encontra uma estenose nos seios venosos, também se pode utilizar, com mais riscos, stents venosos nos pontos em conflito.
A HIC (hipertensão intracraniana) idiopática é mais um pseudo tumor cerebral do que uma hipertensão benigna, que necessita conhecimento da parte de quem trata e também de um alerta a jovens, mães, ou futuras mães. Peso descontrolado a partir do nada, cefaleias violentas, alterações visuais, zumbidos, perturbação do equilíbrio e, nalguns casos, perturbação intelectual.
Tratável com resultados animadores, mas com um aviso: entre 1975 e 2016 a prevalência da obesidade mundial triplicou.
Raimundo Fernandes
(Médico, Neurocirurgião)
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