Nos últimos anos, temos assistido à apologia da igualdade, mas o caminho do futuro, incluindo na BioMedicina, deveria passar pelo direito à diferença. Na verdade, somos todos diferentes, mesmo que a semelhança genética nos identifique na mesma espécie

Considerando a espécie humana, à qual pertencemos, identifica-nos o facto de termos 23 pares de cromossomas – com exceção das cromossomopatias, como por exemplo a síndrome de Down, – herdados em partes semelhantes de cada progenitor, em que um dos pares define o sexo 
biológico.

Geneticamente, somos 99,6% semelhantes. Na (aparente) pequena percentagem de 0,4%, reside o “segredo” para uma grande parte das diferenças que distinguem os seres
humanos uns dos outros. E nessas diferenças residem riscos para doença, resposta às terapêuticas,  características individuais, metabólicas, fisiológicas e anatómicas.

O genoma nuclear humano (cromossomas)  é constituído por cerca de 3,2 mil milhões de “pares de bases” (letras que formam o genoma, na molécula de ADN), organizados em
cerca de 20.000 genes, os “códigos de instruções” para formar os cerca de 100.000 tipos de proteínas que fazem parte do organismo humano.

De acordo com a informação do NIH (National Institute of Health, USA), seria necessário uma pessoa escrever 60 palavras por minuto, durante 8h por dia, ao longo de 50 anos,
para escrever este “livro” gigantesco, que é o genoma humano. Se desenrolássemos o ADN dos cromossomas de uma célula humana numa sequência única de todas essas letras,
daria 150.000 voltas à roda da lua (67 mil milhões de milhas, o que corresponde a 107.803 milhões de km). Curiosamente, apenas 2% desta informação tem códigos de instruções para formar proteínas.

Relativamente aos 98% restantes, sabe-se que são importantes para a manutenção do ADN e para regular a tradução dos genes (códigos de instruções”), mas há ainda muito
para descobrir sobre essa informação. É de notar que existe um segundo genoma (mitocondrial), que se encontra nas estruturas dentro das células (mitocôndrias), que, entre outras funções metabólicas relevantes, atuam como fábricas de energia.

Nos dois genomas encontra-se toda a informação que identifica cada ser humano. A Genética e a Genómica referem-se, respetivamente, ao estudo de certos genes ou de certas características hereditárias que são transmitidas de geração em geração e ao estudo de toda a sequência dos genomas. A Genética e a Genómica têm um papel muito importante no estudo de doenças, tanto ao nível da identificação de causas de patologia, no âmbito de diagnóstico clínico ou de investigação, como na análise da precisão das terapêuticas, ou mesmo dos efeitos adversos de medicamentos.

No entanto, o efeito epigenético não pode ser ignorado, ou seja, a ação do meio ambiente, incluindo a nutrição e todos os estímulos que interagem com o organismo e intervêm no
seu funcionamento, têm influência no modo como a informação genética é traduzida.

A variabilidade genética individual é determinante nessa interação, influenciando a forma como o organismo responde aos diversos estímulos ou substâncias exógenas e contribui para a diversidade de riscos para a doença e de respostas aos tratamentos, ou mesmo de funcionamento metabólico. 

O entendimento dos mecanismos subjacentes a essas respostas é essencial para a compreensão da heterogeneidade no modo como o corpo humano funciona, bem como para aumentar a precisão na identificação de fatores de risco para doenças, eventualmente associados a biomarcadores (por exemplo, substâncias que aparecem no sangue e são indicadoras de doença, como é o caso da relação entre a hiperglicemia e a diabetes), ou na eficácia dos tratamentos, prevenindo a toxicidade ou efeitos adversos.

Embora ainda não possa ser aplicada de forma generalizada, a BioMedicina de Precisão já é uma realidade nos nossos dias e pode contribuir de forma muito significativa para a
melhor gestão dos diagnósticos e dos tratamentos e para a prevenção de efeitos adversos ou mesmo de patologias, tendo em conta a informação genética individual.

Na Mentoria Científica, realizamos uma abordagem holística e integradora à doença, tendo em conta as características e o histórico pessoal, incluindo hábitos de vida, no sentido de contribuir para a melhor compreensão individual do estado e saúde e, se necessário, orientar com mais precisão para o seguimento clínico.

Dotar utentes com conhecimento, para gerir melhor a sua saúde e a sua doença, representa um enorme passo em direção ao futuro e enaltece o uso do cérebro e do sistema nervoso. Citando António Damásio no seu livro Sentir & Saber – A caminho da consciência, “A união entre o corpo e cérebro permite ainda revelar algum do saber secreto da biologia, ou seja, as razões profundas da sua inteligência”, porque “As novidades neurais procuraram otimizar a regulação homeostática (**) e dar mais segurança à manutenção da vida.”

Pelo saber é que vamos – preservando o direito à diferença – em direção a uma melhor qualidade de vida para utentes e seus cuidadores! 

Manuela Grazina
(Professora e investigadora na UC e mentora científica no CCC)

(**) Conjunto de processo que mantêm os parâmetros fisiológicos de um organismo em níveis ótimos do seu funcionamento para a preservação da vida

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