Para uns é a terra dos Cabrais. Para outros a terra dos “marranos”. Mas também pode ser a vila que ousou fazer um Museu dos Descobrimentos, porque quis honrar a Descoberta do Novo Mundo, ou aquela que abriu o primeiro espaço em Portugal dedicado ao judaísmo. Note e isto é só o princípio de um extenso rol de pretextos para rumar à Beira Baixa e estacionar na vila de Belmonte, a mesma por onde também passam duas rotas dos Caminhos de Santiago

À primeira vista parece que tudo acontece em Belmonte ou que a vila não quis ser assim tão pequena e teve ambição. Os romanos já tinham demonstrado essa atração e, na época, era por ali perto que passava a estrada romana entre Mérida e Braga. As ruínas da Quinta da Fórnea – descobertas com a construção da A23 – ou a enigmática Torre Centum Cellas ilustram o interesse dos romanos por este pedaço no sopé da Serra da Estrela. As escavações já provaram que uma e outra foram vilas romanas ativas, mas os achados ainda rivalizam com o lendário.

A esta distância da história, poderemos hoje concluir que aquela vila da Cova da Beira sempre foi lugar de abrigo para gente destemida. Os cabrais ficaram com o nome escrito na história de Belmonte e de Portugal, seja pelo caminho que fizeram na elite política e militar ou tão só porque foi a Pedro Álvares Cabral que foi entregue o comando da armada que partiu com destino ao Oriente, mas que acabaria por chegar ao Brasil… As histórias destas viagens marítimas são o pretexto que desafia os mais curiosos a visitar o antigo Solar dos Cabrais, que hoje acolhe o Museu dos Descobrimentos/Centro Interpretativo à Descoberta do Novo Mundo.

De curiosidade em curiosidade e na porta bem em frente ao Solar dos Cabrais, ainda se encontra outro espaço de cultura e informação. Não muito grande é certo, afinal era um antigo celeiro, mas tem espaço suficiente para dar a conhecer a história do rio Zêzere, que corre paredes meias com Belmonte. Ali ao lado e sem hipótese de passar despercebido, pelo tamanho e envergadura de toda a estrutura, ainda sugerimos que visite o castelo medieval, talhado em granito, bem como a Igreja de Santiago onde se encontra uma Pietã do século XIV e que José Saramago rotulou de admirável. 

Avisamos que se quiser conhecer mesmo Belmonte, ainda há muito mais e um dia só não basta, porque depois de já termos sugerido visitar dois museus, um castelo e dois espaços da civilização romana, os pretextos para continuar ainda não esgotaram. A história judaica sefardita também passa por esta vila da Beira Baixa.

Os “marranos” – numa alusão à proibição de comer carne de porco – ou criptojudeus têm séculos de permanência em Belmonte. Ali e isolados do mundo exterior sempre mantiveram as suas tradições judaicas intactas, estabelecendo o primeiro contato com os judeus de Israel apenas na década de 70. Até então, foram séculos de uma vivência em segredo, de tradições orais e de casamentos entre a comunidade. Simultaneamente, partilharam 500 anos de contacto com a igreja católica. As misturas aconteceram.

Oficialmente, a comunidade judaica de Belmonte acabou por ser criada apenas em 1989 e hoje tem uma sinagoga, um rabino e um cemitério próprio, mas também um museu, que conta toda esta história de 500 anos de religião “marrânica”. Em 2005, muito antes de Lisboa abrir o Tikva, Belmonte abriu o seu Museu Judaico e começou a contar a história de sobrevivência dos seus judeus.

Belmonte ainda tem mais histórias para contar e, depois de um celeiro ter sido transformado em ecomuseu, foi a vez de um antigo lagar acolher uma estrutura museológica que conta a vida do azeite e explica a sua produção artesanal. As velhas máquinas, como as mós e as prensas, estão ali para ilustrar esse percurso, que pode terminar com uma prova de degustação. Tudo no Museu do Azeite, em Belmonte. 

Não muito longe da vila de Belmonte, ainda propomos uma deslocação a Caria, – uns 15 km de carro. Os bispos da Guarda tiveram ali residência e, hoje, a Casa da Torre acumula uma história de vivência de séculos, ao mesmo tempo que guarda os vestígios arqueológicos encontrados em Centum Cellas, mas também outros achados (dos períodos romano e medieval), que acabam por ajudar a recuperar a história daqueles territórios. Se fizer a viagem no Inverno, sugerimos que reserve a data do 2 de dezembro. A procissão pagã, em honra de Santa Bebiana e de S. Martinho tem um histórico de ser memorável.

É ainda neste território que encontramos – não um, mas dois Caminhos de Santiago, ambos do interior de Portugal. Um entre Tavira e Trancoso e outro entre Évora e Trancoso, os dois estão sinalizados com as conhecidas setas amarelas e por isso não será de estranhar o encontro com peregrinos – não andam perdidos, seguem o Caminho, a pé ou de bicicleta.

Terminam aqui as nossas sugestões por Belmonte, a vila que integra a Rede de Judiarias de Portugal e, simultaneamente, a Rede de Aldeias Históricas de Portugal. Nada disto é um acaso.

Texto: Conceição Abreu
Fotos: Cedidas pela Câmara de Belmonte

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