É uma patologia inflamatória e pode impedir a drenagem e arejamento do ouvido, acabando por dar lugar à mais frequente causa de perda de audição na primeira infância; mas também pode passar despercebida e sem sintomas. Falamos da otite serosa

O ouvido é constituído por 3 partes, uma externa, uma cavidade média e o ouvido interno. A cavidade média é recoberta por mucosa do tipo respiratório, com as mesmas características da mucosa nasal; comunica aliás com a cavidade nasal, através de um canal denominado tuba auditiva, que permite quer o arejamento dessa cavidade média do ouvido, quer a drenagem da pequena quantidade de líquido seroso que essa mucosa respiratória produz.

Se por algum motivo – mais frequente nas crianças, por um edema (motivado por uma infeção, uma reação alérgica ou vasomotora) ou uma obstrução da tuba auditiva por aumento dos adenoides – essa drenagem é interrompida, o líquido acumula-se na caixa média do tímpano. A otite serosa, ou sero-mucosa, ou otite com efusão é isto, uma acumulação de líquido na cavidade média do ouvido.

– Tomás, para a mesa.
– O quê?
– Tomás, para a mesa.
– O quê?
– Tomás! Para a mesa já!
– Desculpa! Não ouvi!
– Não ouviste como? Agora estás sempre distraído!
– Mas eu não ouvi!
– Não ouviste porque não queres!
(ou será que não ouviu mesmo???)

Deve haver poucos pais que não tenham tido esta dúvida nalgum momento. E é normal. Na verdade, é impossível ter a certeza perante esta situação. O mesmo acontece quando uma criança demora mais tempo a adquirir linguagem. Mais do que o irmão, o primo, o vizinho. Mas note bem, cada criança tem o seu ritmo e os limiares de normalidade são largos. Geralmente é normal, mas…

A otite serosa é a causa mais frequente de perda de audição na primeira infância. Estatisticamente, 1 em cada 3 crianças tem pelo menos um episódio de otite média aguda até aos 3 anos; e até ao fim da idade escolar praticamente todas as crianças tiveram pelo menos um episódio agudo de otite serosa, ou otite média com efusão – sendo que, em cada momento, cerca de 20% de cada grupo de crianças em idade escolar está com otite serosa.

“Pressão” no ouvido

A grande maioria desses episódios agudos é autolimitado, ou seja, resolve-se espontaneamente sem qualquer necessidade de terapêutica. E, frequentemente, é assintomática e por isso nem a criança nem os seus cuidadores notam. Mas também pode cursar com uma perda auditiva óbvia; com queixas de sensação de pressão, ou ouvido “tapado”; de barulhos anómalos no ouvido; de dor – mais frequentemente ao assoar, ou porque a criança não distingue “pressão” de “dor”; ou se o quadro se prolonga no tempo, pelas consequências da perda auditiva, nomeadamente atraso na aquisição da linguagem, troca de sons, dificuldades de aprendizagem.

O diagnóstico é clínico, pois a alteração é evidente à otoscopia, ou seja, à observação do tímpano e da caixa média do ouvido através dele. É possível observar níveis de líquido através da membrana timpânica, ou bolhas de ar entre o líquido, ou mesmo – se o quadro se prolonga – alterações da posição do tímpano.

Se ainda existirem dúvidas, também é possível realizar-se uma otoscopia pneumática, procurando avaliar o movimento do tímpano com a pressão induzida. É um exame simples e rápido. O timpanograma é frequentemente utilizado para avaliar a vibração timpânica e complementar o diagnóstico.

Reforçando novamente que se trata de um quadro frequentemente autolimitado, isto significa que a sua resolução espontânea acontece em cerca de 3 meses sem qualquer intervenção. É, portanto, razoável uma decisão de esperar e ver o que acontece, nos casos agudos não complicados.

No entanto, não se deve adiar a exclusão de uma surdez neurossensorial subjacente numa criança com sinais de alarme, nomeadamente na ausência de aquisição da linguagem em tempo considerado normal; ou quando se torna evidente à observação do tímpano que há uma retração ou outros sinais de lesão cicatricial. Esta pode ocorrer devido à inflamação persistente, em que o líquido retido, na presença dos mediadores inflamatórios que se libertam, se vai tornando cada vez mais espesso e mucoso. Da mesma forma, a presença de otite serosa predispõe a otites médias agudas de repetição, quando o muco retido sobreinfecta.

Nos casos em que a espera deixou de ser opção, está indicada a intervenção terapêutica com lavagens nasais frequentes e um assoar eficaz. A estas medidas podem associar-se corticoides nasais tópicos e/ou anti-histamínicos, nos casos de rinite alérgica associada.

Miringotomia ou incisão no ouvido

Quando nenhuma destas medidas é eficaz e o quadro persiste por mais de 3 a 6 meses está indicada a terapêutica cirúrgica, que consiste em realizar uma incisão no tímpano e colocar um arejador transtimpânico ou tubo de timpanostomia. Estes minúsculos tubinhos ficam “encravados” no tímpano, mantendo o correto arejamento e drenagem da cavidade do ouvido médio.

Quando necessário, também podemos associar procedimentos nasais, o mais frequente a adenoidectomia, que permite “desobstruir” a extremidade nasal da tuba auditiva e restabelecer a normal drenagem para o nariz. Esses arejadores transtimpânicos permanecem em posição em média 6 meses a 2 anos, sendo “expulsos” espontaneamente. Caso ocorra uma otite média aguda, permitem ainda a utilização de antibiótico tópico em gotas auriculares, por vezes evitando a necessidade de antibióticos orais – uma vez que o acesso à cavidade timpânica está aberto, permitindo a saída de pus e a entrada das gotas de antibiótico.

Se há alguns anos os tubos de timpanostomia representavam uma limitação às atividades da criança, pelo impedimento de praticar natação, hoje não há qualquer recomendação para evitar as atividades aquáticas (com exceção das crianças que possam sentir incómodo ou tenham drenagem de pus ativa), pelo que se trata de um procedimento com um pós-operatório imediato muito confortável e a longo prazo sem qualquer restrição. Que permite que no dia seguinte à intervenção…

– Tomás, já para a mesa!
– Já ouvi, mãe…

Vera Sofia Soares
(Médica, Otorrinolaringologista)

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