A psicologia pode ensinar o caminho para a felicidade? Pode. Pensar em nós como um bem precioso a preservar é o princípio de um caminho que não é livre de pedras

Estamos cheios de vícios. Somos complicados. Pensamos demais. Sofremos. Sofremos por antecipação, pelo que deveria ser e não é, por tudo o que não sabemos. (Pre) ocupamo-nos. Ficamos cansados e exaustos. Esgotamos o corpo e a alma e os anos passam até que… envelhecemos.

Sabemos que devemos ter uma alimentação equilibrada, que o sono é reparador, que o exercício físico faz bem, mas esquecemos frequentemente que o corpo é apenas um instrumento que torna possível a manifestação de toda a nossa realidade interior. Também os comportamentos em saúde, associados a uma mente pensada e trabalhada, são permissivos a uma estrutura psicológica forte e quase inabalável, essencial a um bom envelhecimento. Não pretendemos ser heróis, mas é extremamente complicado mantermo-nos ativos durante toda uma vida, não desistindo de viver bem, perante perdas irreparáveis ou perante uma série de contrariedades, que poderão desviar-nos da felicidade.

Não é só a genética que vai definir qual a nossa longevidade, também as relações que estabelecemos com os outros influenciam os nossos modos de estar e refletir e, quanto melhor nos relacionarmos, mais facilmente nos sentiremos motivados a praticar o nosso bem-estar. De que forma poderá a psicologia contribuir para a prática de hábitos conducentes a uma realidade producente? Há vários modos, muitas dicas e outras tantas ajudas.

Ao longo do nosso percurso de vida, podemos constatar as diferenças na constituição física e psicológica de todos nós. De facto, se estivermos atentos ao outro, sempre mais do que a nós próprios, esta postura vai permitir uma aprendizagem excecional sobre vários aspetos da nossa vida. Claro que o sofrimento existe, mas pode ser minimizado e isso é tão ou mais importante do que sofrer “de sofrimento”. Se somos seres sociais e conscientes, facilmente podemos perceber que o sofrimento de alguém também é nosso e por isso assumimos essa responsabilidade. Saber moderar o sofrimento é a estratégia que sugerimos para melhorar a vida dos que nos rodeiam, mas também a nossa.

Tudo o que não conseguimos controlar deve ser aceite como tal. Pensar em nós como um bem precioso a preservar, assim como cuidar, proteger e acompanhar sempre os que mais amamos, será viver plenamente e dará a oportunidade de apreciarmos tudo o que somos capazes de fazer. Nem sempre conseguimos corresponder ao que conhecemos como o nosso melhor e isso pode ser muito frustrante. As razões são múltiplas, mas normalmente somos nós próprios que estamos a impedir esse percurso, porque é a nossa condição psicológica que nos impede de contribuir para esse nosso melhor. Outras vezes, isso acontece apenas porque não conhecemos muito bem todo o nosso potencial, exercer o que é correto nem sempre é fácil de discernir, porque os objetivos mudam constantemente.

Se pensar demais é prejudicial à nossa saúde mental, o contrário não é menos verdade. A impulsividade acaba por nos conduzir a uma série de problemas, seja de relacionamento intersubjetivo, seja de comportamentos autodestrutivos, sendo verdade que o essencial e o equilíbrio estão na serenidade perante o que fazemos e o que pensamos que deveria ser feito.

Outra questão importante que aqui podemos colocar é a criatividade de um e de todos, porque a criatividade não tem idade, nem forma. O desafio será pensar porque não mudamos os nossos pensamentos, a nossa postura e tentamos apreciar o que gostamos mesmo de fazer, seja com a dança, a música, a arte, o voluntariado, um estudo ou uma qualquer outra atividade em que não nos imaginávamos incluídos. A prática de artes expressivas representa inúmeras melhorias no diálogo interno da pessoa, ao facilitar a expressão de sentimentos e pensamentos reprimidos. Reforça a positividade perante a busca de um hábito saudável e aumenta a criatividade, auto-estima e restabelece o equilíbrio essencial ao nosso bem-estar.

A obrigação de nos cuidarmos é tal, que nos devemos reinventar, procurar com a família e aproveitar o tempo criando. Ao sermos criativos vamos descobrir que, ainda que tenhamos andado desencontrados de nós mesmos, há sempre muito mais a fazer. E é apenas isso que se pretende, que “o nosso alguém” se sinta útil, autêntico e, consequentemente, apreciado, seja no que for e que nos faça felizes!

Os hábitos saudáveis implicam deitar para trás das costas o que nos possam fazer sentir as pessoas que nos conhecem pouco. Mas também ignorar os rótulos que os outros nos colocam e os limites que esses outros tentam impor à nossa capacidade. Os bons hábitos são comportamentos adaptativos que nos permitem sobreviver, poupando uma grande quantidade de energia que, de outro modo, teríamos de dispensar se pensássemos em tudo o que fazemos. Bons ou maus, os nossos hábitos acabam por ser um refúgio para tudo o que nos magoa ou nos faz sentir desconfortável. Se quisermos ser construtivos e criativos teremos de substituir péssimos hábitos por hábitos felizes. Claro que o que nos é familiar é sempre mais cómodo, por isso só conseguiremos mudar um hábito substituindo-o por outro. E, se conseguirmos trocar um mau por um bom hábito, a nossa energia aumentará a cada reforço positivo. Isto porque sentimos física e psicologicamente aquilo que pensamos.

O cérebro irá encarregar-se de gerar sinais positivos. E como mudar um mau hábito? Não é fácil, mas não é impossível. Uma criança imita um adulto porque se sente estimulada pela maioridade, poder e beleza que lhe suscitam os comportamentos adultos. Deste modo ela imita e finge cumprir, com competência, todos os papéis desempenhados pelos adultos. Também um adulto que queira adquirir um novo hábito deve (inicialmente) fingir para si mesmo que o vai conseguir com facilidade e, uma vez mentalizado e sem dar conta, estará apto para receber o novo hábito. Depois, é só contaminar outros e apreciar tudo aquilo que nunca pensámos fazer, mas que somos capazes de fazer e muito bem.

Sónia Travassos

(psicóloga)

Deixar um Comentário