As técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) têm este outro lado da moeda e, por motivos vários, existirão sempre embriões que não chegam a ser transferidos, sobram. A criopreservação é o passo seguinte e a legislação permite este tipo de congelamento durante três anos. Findo esse tempo, cabe aos casais decidir o seu destino. Há quatro caminhos

Não é uma intenção deliberada, mas sim um efeito das técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Numa época em que as boas práticas apelam a estimulações mais ligeiras e à limitação do número de embriões a transferir, continua a ser essencial minimizar o mais possível a criação de embriões humanos sobrantes criopreservados. Atualmente existirão em Portugal mais de 19 mil embriões congelados, que sobraram de tratamentos de fertilidade, e que aguardam a decisão dos seus progenitores quanto ao destino a dar-lhes.

A legislação portuguesa permite que os embriões sobrantes e sem projeto parental se mantenham criopreservados durante três anos. Findo este período, o destino pode passar por reconsiderar nova transferência para o útero materno, a destruição, doar para investigação ou doar para outros casais, também eles com problemas de infertilidade. Contudo, é frequente nenhum destes destinos ser considerado uma opção. O casal prefere não ser confrontado com a necessidade de tomar uma decisão. Necessariamente, esta é uma questão que vai depender da compreensão que cada um tem do estatuto do embrião.

Aqueles que consideram que o embrião não é uma pessoa ou não merece o respeito que é devido a uma pessoa têm habitualmente menos dificuldade em decidir o seu destino; para os restantes, as decisões são obviamente mais penosas e difíceis de assumir. Esta é uma matéria ainda sem consenso e onde falta unanimidade, mesmo entre as ciências exatas.

Como os casais tendem a demitir-se da escolha do destino a dar aos embriões e como não é possível prolongar indefinidamente a sua criopreservação, a grande maioria dos países estabeleceu prazos máximos de congelação. Portugal não foi exceção e o prazo máximo estabelecido é de três anos.

Há alternativas. A doação a outros casais tem a grande vantagem de permitir dar um projeto de vida a estes embriões que, caso contrário, serão votados à destruição, antecedida ou não pela sua instrumentalização. O altruísmo é o motivo que se destaca na escolha desta opção. No entanto, há muitos casais que, embora vivenciando o desejo de ajudar aqueles que sofrem na pele o problema da infertilidade, não o conseguem fazer por esta forma.

São vários os receios manifestados. Sentem a responsabilidade face ao futuro e encaram o embrião como um símbolo da relação única existente entre o casal, mas também receiam não conseguir aceitar que outras pessoas venham a criar um filho biológico seu, também irmão dos seus próprios filhos, ao mesmo tempo que assumem preocupações com uma possível futura consanguinidade.

Existem vários estudos referindo que a doação de embriões a outro casal é uma opção comum na fase de pré-tratamento, mas a decisão final acaba por ser diferente. Esta mudança de opinião deve-se, fundamentalmente, a dois fatores: por um lado à mudança que ocorre no casal, que passa do estatuto de casais sem filhos para o de pais; por outro lado, há uma alteração no simbolismo do embrião, que deixa de ser uma gravidez em potência para passar a ser uma criança “virtual”, o que, de um modo metafórico, faz associar a doação de um embrião à renúncia de uma criança. É ainda importante referir que a maioria dos estudos realizados pesquisou os motivos da não doação, verificando-se que existia pouco conhecimento acerca daqueles que, efetivamente, tomaram esta opção, de como se adaptaram psicologicamente à decisão tomada, assim como o que distingue os dadores dos não dadores. Sublinhamos por isso o papel fundamental dos profissionais dos centros de PMA, na discussão das complexas consequências psicológicas, sociais e éticas da doação, quer com os casais candidatos a recetores, quer com os dadores. Em Portugal, vigora o anonimato em caso de doação embrionária.

Outro destino possível é a utilização destes mesmos embriões excedentários em investigação científica. É importante referir que a recetividade quanto a este destino tem sido crescente, o que é consistente com o contexto social em mudança, com as alterações legislativas, que vieram regularizar a utilização de embriões humanos em investigação, a que se junta a importância do debate público que, apesar de contencioso, assegura uma maior consciência da comunidade face aos potenciais benefícios e riscos desta prática. Uma controvérsia alimentada pela tensão entre os interesses da sociedade nos avanços da medicina e a preocupação de manter o respeito pelo embrião. Neste caso, as opiniões dividem-se de acordo com o estatuto que é reconhecido ao embrião. Não sendo considerado pessoa, a utilização do embrião não levanta a objeção de instrumentalização da pessoa humana. Contudo, no grupo daqueles que consideram que o embrião merece o respeito devido a uma pessoa, as posições divergem.

A descongelação e eliminação dos embriões será também uma opção e um destino certo, caso o casal não opte por nenhuma das anteriores alternativas no prazo máximo de três anos. Esta é uma decisão particularmente difícil e mal aceite pelos que atribuem um estatuto de pessoa ao embrião. A principal razão invocada pelos casais que optam por esta solução é a não- aceitação das restantes alternativas, confirmando a teoria do mal menor como explicativa das decisões tomadas. Por outro lado, esta alternativa é a única que não retira às pessoas o controlo sobre o destino dos seus embriões.

As posições são extremas. Há quem considere que para um embrião sem projeto parental, que perde o direito à vida e ao desenvolvimento, é mais digno prestar um serviço à ciência do que morrer sem qualquer utilidade. Outros têm uma posição frontalmente oposta, considerando ser uma falta de respeito a instrumentalização da vida, que deve ser considerada um fim em si, pelo que é melhor deixar morrer o embrião do que utilizá-lo como uma “coisa” ao serviço de outros fins. De entre aqueles que aceitam a doação de embriões para investigação, o principal motivo recai na vontade de ajudar a ciência a avançar. Por outro lado, o conhecimento do objetivo da investigação pode influenciar a apetência dos casais para considerarem esta alternativa.

Margarida Silvestre

(médica ginecologista – especialista em Medicina da Reprodução)

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