“Um doente que se queixa, persistente ou intermitentemente, tem sempre o benefício da dúvida. Até se provar o contrário, qualquer queixa traduz sempre um dano físico ou psíquico. É mister da profissão médica desvendar o móbil da queixa, enquadrá-la num contexto clínico conhecido e retirar as conclusões, no pressuposto de que a queixa não é fictícia, nem o objeto de estudo é uma burla.”
Com a possibilidade atual de recurso a alta tecnologia de diagnóstico, é hoje mais fácil fazer diagnósticos válidos ou eliminar pressupostos. Mas, muitas vezes, os médicos recorrem ao diagnóstico rápido, sem observar convenientemente o doente; e o doente recorre frequentemente ao exame, que ele pensa adequado e sem consulta prévia, para obter do radiologista ou do técnico de outra área, uma resposta aos seus medos. Um e outro cometem o erro grosseiro, descontextualizado da clínica e sempre incorreto como ponto de partida, podendo mesmo acarretar situações muito embaraçosas que podem conduzir a tratamentos erróneos, perigosos e conducentes a distúrbios psicológicos ou físicos irreparáveis
O diagnóstico tem que assentar sempre em bases sólidas. As queixas, a observação clínica e os exames complementares, são todos importantes e, consoante os doentes, uns mais importantes que outros. Será bem mais difícil colher uma história clínica num surdo- mudo, num demente, numa criança ou num mistificador. Nos óbvios que não têm dificuldade em debitar a história, o recurso à observação geral e o despiste de pontos dolorosos, mazelas cutâneas, etc., contém elementos que, juntamente com os exames complementares, conduzirão ao diagnóstico provável. Esse diagnóstico assenta em padrões já conhecidos pelo médico, razão porque os diagnósticos são feitos por alguém que tem conhecimento dos padrões e não por palpites ou simplesmente por crenças.
A dificuldade em seguir uma linha de raciocínio lógica está na análise do não óbvio, mistificador, pertencente ao grupo dos que simulam, ou acreditam sem simulações, no que estão a dizer, ou simplesmente copiam comportamentos de conhecidos. A dedução lógica do leigo, amigo, familiar ou outro, não distorcida, por falta de observação clínica, coloca um rótulo, igual a outro caso que já viu antes.
Coxo é coxo. Marreco é marreco. E boca ao lado é AVC. Mas o mistificador não engana com a mesma facilidade o médico atento, não resiste a um exame clínico completo e os exames complementares não confirmam a certeza do leigo. Por vezes é assim, mas nem sempre.
Raimundo Fernandes
(Neurocirurgião)
NOTA: o texto aqui publicado parcialmente pode ser lido na íntegra na edição da revista Olhares (n.º 12)
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