Passar fome não é a solução, por muito que se “inventem dietas”. Pelo contrário. O desequilíbrio do aporte nutricional tem riscos e o metabolismo humano não se compadece de privação energética. Não fomos feitos para passar fome. A solução passa pela harmonia entre todos os alimentos e conjugação das porções, sem esquecer a água

Ao longo dos últimos anos, a alimentação tem assumido um papel relevante nas estratégias promotoras da saúde, particularmente no âmbito da prevenção das doenças cardio e cerebrovasculares. No complexo processo de reeducação alimentar da sociedade de consumo, a estruturação de hábitos alimentares saudáveis, confunde o conceito saudável com hipocalórico (vulgo “light”), enviesando pejorativamente o próprio conceito de dieta. Uma dieta saudável nem sempre é sinónimo de dieta hipocalórica, nem tão pouco de perda de peso.

O termo “dieta” deriva do grego “diaita”, que significa “modo de vida”, e o conceito que vulgarmente lhe está associado na atualidade, reduz-se, erradamente, ao emagrecimento, ou, numa conceção ainda mais redutora, à perda de peso. Considera-se emagrecimento quando a perda de peso corporal obtida corresponde à diminuição de massa gorda, numa proporção não inferior a 70 a 80%, relativamente à massa isenta de gordura, sendo que, numa proporção invertida, considera-se que ocorre simplesmente perda de peso, potencialmente pejorativa para a saúde, por expressar desequilíbrio no aporte nutricional, potencial agravamento da insulinorresistência e respetivo risco metabólico, diretamente consequente ao aumento da proporção da gordura corporal. 

A procura pela imagem e corpo perfeitos, amplamente valorizados e ambicionados pela sociedade contemporânea, e fortemente estimulados pelo astuto poder do marketing publicitário, que prolifera transversalmente pelos meios de comunicação e pelas redes sociais, fomenta a permeabilidade a estratégias, conceitos e abordagens pouco ou nada saudáveis, inabilitadas a constituir um modo de vida saudável. É nesta senda que emergem as restrições alimentares severas, com vista à rápida obtenção de resultados, repetida e depreciativamente apelidadas por “dietas de verão”, que não resultam em emagrecimento, mas, em perda de peso, frequentemente frustradas pela elevada reversibilidade dos resultados obtidos. 

Restrições severas

São infinitas as abordagens, mais ou menos exequíveis e mais ou menos desequilibradas, que prometem a rapidez e a eficácia da perda de peso. Da “dieta da sopa” à dieta do ovo”, passando pela “dieta do abacaxi”, pelo jejum intermitente, pela privação de hidratos de carbono (“low carb”/”very low carb”), pela “dieta paleolítica”, pela “dieta do sol”, e por tantas outras estratégias de restrição mais ou menos severas, todas apresentam como denominador comum, a privação e a insaciedade. A severidade das restrições decorrente das ditas “dietas de verão” pode resultar em défices nutricionais, passiveis de causar alterações metabólicas importantes, nomeadamente o aumento dos níveis do colesterol e do ácido úrico, alteração da função hepatobiliar, anemia, diminuição da densidade óssea e até perturbações do comportamento alimentar.

O metabolismo humano não se compadece com privação energética. Em circunstâncias de privação severa (fome) e perante a ausência de energia, o organismo socorre-se das reservas que detém sob a forma de glicogénio, armazenadas no fígado e no músculo, e emite sinais e sintomas dessa mesma privação, que se traduzem em cansaço, irritabilidade, alterações de humor, intolerância, dificuldades de concentração, diminuição da produtividade física e intelectual, alteração do padrão do sono, dores musculares e, no limite, hipoglicemia (diminuição dos níveis de açúcar no sangue, abaixo do mínimo desejável). 

Concomitantemente, expressa-se uma intensificação da fome, da vontade e da necessidade incontrolável de comer, que será tanto mais incontrolável quanto maior for o período e a severidade da privação alimentar e que, em geral, aumenta significativamente a probabilidade de culminar em perda de controlo e ingestão alimentar, mais ou menos compulsiva, e mais ou menos acompanhada de sentimentos de culpa, que geralmente propende a ser seguida de auto-penalização, através da subjugação a mais uma tentativa de restrição severa, que tende a convergir em ciclo vicioso.

A alimentação fornece micro e macronutrientes que, na sua globalidade, são responsáveis pela preservação da plenitude funcional do organismo. Não é metabolicamente possível preservar ou aumentar a massa isenta de gordura sem a conjugação adequada dos nutrientes, nem tão pouco através da omissão parcial ou total dos hidratos de carbono, da proteína ou dos lípidos, da mesma forma que o aumento desproporcional e unilateral não será preditivo de sucesso. 

Todos os alimentos têm valor calórico

Não há alimentos com função anorexigénia (diminuição do apetite) ou com potencial emagrecedor. Excetuando a água, todos os alimentos contêm valor calórico, e o aporte energético total diário será tanto mais adequado, balizado e equilibrado, quanto maior for a harmonia entre os macronutrientes que cada um desses alimentos fornece individualmente, e no todo que conglomera o conjunto das refeições ingeridas em cada dia. Os alimentos saudáveis não são necessariamente pobres em calorias. Há alimentos saudáveis com elevada densidade calórica, mas também os há com baixa e com moderada densidade calórica. Importa clarificar também, que os alimentos com maior densidade calórica nem sempre são energéticos, da mesma forma que os alimentos energéticos nem sempre são densamente calóricos. 

No âmbito da mudança de hábitos alimentares direcionada para o emagrecimento, não há “super alimentos” com “super poderes”. O equilíbrio e o sucesso na obtenção dos resultados dependem intimamente da adequada conjugação das porções de alimentos, da respetiva estruturação nas refeições e da proporção de macronutrientes, personalizada às necessidades energéticas diárias específicas de cada individuo. 

Todas as dietas, independentemente do objetivo terapêutico visar o aumento de massa muscular, o emagrecimento, ou a manutenção do peso e da composição corporal, devem ser equilibradas na proporção de macro e micronutrientes, sem exclusões nem radicalismos fundamentalistas. Particularizando as dietas que visam o emagrecimento, é absolutamente imprescindível a harmonia entre o balanço energético negativo e a saciedade transversalmente constante, devidamente alicerçadas na robustez da proporção dos hidratos de carbono, da proteína, e dos lípidos, coadjuvadas pela imprescindível ação e função reguladora desempenhada pela água e pelas vitaminas e minerais (micronutrientes).  

Para que uma dieta de emagrecimento seja eficaz e concomitantemente saudável, deve considerar a inclusão de todos os grupos que integram a roda dos alimentos, assente num princípio de equilíbrio e de diversificação, que resulte num balanço energético negativo, sem, contudo, fragilizar a saciedade, nem se dissociar da essência da plenitude do conceito “diaita”.

Paulo Mendes

(Nutricionista)

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