A chamada dor aguda – curta no tempo e de aparecimento recente – é uma dor benigna e protetora. Avisa-nos que algo nos está a agredir e por isso as fibras nervosas conjugam-se para enviar a mensagem de alerta ao cérebro. Hoje, já é possível eliminar esse caminho e o período pós-cirurgia não tem de ser vivido com dores insuportáveis. Fármacos, técnicas e alguns dispositivos juntaram-se para cuidar da dor. Ana Bernardino, médica anestesista, explica-nos tudo
A dor aguda é um fenómeno fisiológico (natural) que acontece quando há inflamação e/ou lesão dos tecidos (pele ou músculo, por exemplo) causado por uma agressão traumática, por uma doença aguda (de aparecimento recente) ou por agressão de uma cirurgia.
Esta inflamação ou lesão tecidual liberta substâncias que vão ativar os recetores periféricos e fibras nervosas que se encontram perto do local da agressão e que, por sua vez, vão enviar uma mensagem eletroquímica através de vários nervos (vias neurológicas da dor) até ao cérebro, onde é percecionada uma sensação desagradável, com localização precisa (ou não) que é a dor.
Este tipo de dor, causada por agressões agudas (de curto tempo ou de aparecimento recente) é chamada de dor aguda e é considerada uma dor fisiológica (natural), benigna e protetora e tem a função de nos avisar de que algo está a agredir o nosso organismo e que devemos fazer alguma coisa para evitar esta agressão. Um velho exemplo deste fenómeno, é a queimadura acidental. Se nos queimarmos acidentalmente numa panela quente, rapidamente percecionamos a dor e tentamos logo, por reflexo, afastar a mão do agressor (neste caso, a panela quente).
É a perceção da dor aguda que nos permite evitar fenómenos nocivos! E portanto, é normal que aconteça dor após uma agressão, principalmente quando somos submetidos a uma cirurgia (onde há corte e estiramento de alguns tecidos ou órgãos, como a pele, músculo, osso, intestino ou outros).
A boa notícia é que atualmente existem fármacos e técnicas médicas que permitem uma cirurgia quase sem dor ou pelo menos com uma dor tolerável e que se pode facilmente tratar! De fato, a medicina, principalmente a especialidade médica de Anestesiologia, tem evoluído de uma forma extraordinária, aliada a outras ciências como a tecnologia, farmacologia, física, matemática e informática, atingindo feitos inimagináveis há poucos anos.
Se tiver que ser submetido a uma cirurgia, o seu médico anestesiologista (médico perito no peri operatório e no tratamento da dor) estará sempre presente antes, durante e após a sua cirurgia, controlando e tratando a sua dor aguda pós-operatória, vigiando todas as suas funções vitais, resolvendo eventuais intercorrências clínicas e dando-lhe o maior conforto.
Nos dias de hoje, não há qualquer razão para ter dores insuportáveis a seguir a uma operação. E que soluções existem para tratar a dor a seguir à cirurgia? São várias as que o seu médico anestesiologista tem ao dispor para fazer um bom controlo da dor aguda pós-operatória:
- Existe uma variedade enorme de analgésicos, que são fármacos específicos para tratar a dor, desde a ligeira até à mais intensa;
- Cada vez mais, existem fármacos adjuvantes, que apesar de não serem analgésicos, potenciam os fármacos que tratam a dor e que muito ajudam na eliminação da dor a seguir à cirurgia.
- Outras técnicas muito eficazes no controlo da dor, são as técnicas loco regionais. Isto é, o seu médico anestesiologista, pode “adormecer” certos nervos que percecionam a dor ativada pela cirurgia e tornar essa mesma zona, que irá ser agredida, “dormente”, não tendo a pessoa qualquer dor nas primeiras horas a seguir à operação. São exemplos destas técnicas loco regionais: o bloqueio epidural, o bloqueio subaracnoideu, o bloqueio de fáscia, o bloqueio de plexos nervosos ou o bloqueio de nervos periféricos. Estes bloqueios anestésicos ou analgésicos normalmente são realizados por um médico anestesiologista com experiência em anestesia loco regional, antes ou após a cirurgia, muitas vezes com o apoio de ecografia ou neuro estimulação (para localização exata dos nervos periféricos, plexos nervosos ou fáscias). Nestes bloqueios o médico anestesiologista pode administrar uma única vez fármacos, perto dos nervos (o chamado, single shot) ou deixar um cateter, perto da zona a “bloquear”, para poder administrar mais vezes ou durante mais tempo (dias) os fármacos que aliviam a dor, após a sua cirurgia.
- Existem ainda dispositivos que podem libertar continuamente determinados fármacos (por via endovenosa, perineural, oral, etc.), em doses e velocidades programadas pelo seu médico, permitindo uma analgesia contínua, com maior conforto para o doente.
- E porque cada pessoa perceciona a dor de forma diferente, com intensidades e frequências diferentes (cada um, é cada um!), também existem dispositivos que permitem que o próprio doente controle o tratamento da sua própria dor. Isto é, o doente tem autonomia para pedir ao dispositivo (através de um comando), mais ou menos analgésico, a qualquer hora do dia, caso tenha mais ou menos dor. Estes dispositivos estão programados para administrar fármacos (por via endovenosa, oral, junto a nervos, etc.) dentro de doses seguras, são portáteis, pequenos e fáceis de transportar.
- Outras técnicas que podem diminuir muito a dor pós-operatória, é a própria técnica da cirurgia. Por exemplo, uma cirurgia laparoscópica ou artroscópica (cirurgia feita por “furinhos”, em vez de ser feita por um corte longo e mais agressivo) é menos dolorosa, assim como parece ser a cirurgia robótica, que também pode diminuir a dor pós-operatória.
É considerada dor aguda (ao contrário da dor crónica) quando esta é limitada no tempo (normalmente com duração inferior a 1 ou 3 semanas, em alguns casos pode ir um pouco mais além) e que termina após tratamento ou resolução do problema que a originou.
Mas atenção! A dor aguda não tratada, ou não resolvida, pode evoluir para dor crónica, e aí a situação clínica pode tornar-se mais complicada! Por isso, quando falamos de dor aguda pós-operatória (a seguir a uma cirurgia) é muito importante que o seu tratamento seja eficaz!
A dor é muito subjetiva e complexa. Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a dor é definida como uma “experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada a uma lesão tecidual, real ou potencial” – definição nada simples, e que complica ainda mais a sua abordagem. Cada pessoa perceciona um estímulo de maneira diferente: um estímulo para alguns pode ser tolerável, mas para outros pode ser terrivelmente doloroso!
Independentemente de como percecionamos a dor, se tiver que ser operado, confie no seu médico anestesiologista que cuidará de si, da sua saúde e da sua dor!
Ana Bernardino
(Médica, Anestesista)
Não sendo a minha formação na área da saúde, não obstante relacionada com humanidades, perece-me um artigo muito ilucidativo, já que eu próprio já fui anestesiado por mais de que uma vez, e, não obstante a confianças que tinha no profissional, a ansiedade era uma constante.,
ReplyAcho que sim .. até em exames de diagnóstico, caso colonoscopia e outros idênticos não precisamos de sofrer, o anestesista presente saberá dar a dose necessária para evitar a dor
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