Há o risco de nos perdemos nos roteiros que Aveiro tem. Não pela rota em si, mas pelos argumentos de querer ver tudo, sem deixar escapar nada. Aveiro, cidade ou região, deixam sempre um pretexto para querer voltar
Não é nenhuma réplica de Veneza e por isso mais vale desistirem de chamar a Aveiro, a “Veneza portuguesa”. Não faz sentido e quem fica a perder somos nós, porque Aveiro é Aveiro. Cidade plana, onde não se perde o folego a andar a pé ou de bicicleta.
Um acidente geológico deu lugar aos canais que entram pela cidade e os moliceiros há muito que deixaram de recolher o moliço, para se converterem ao turismo. O mesmo aconteceu com algumas salinas. Os marnotos começaram a escassear e das mais de 200 salinas de outrora restam sete, para que se perdure a tradição e a memória do “ouro branco”. Se umas foram abandonadas, outras estão agora convertidas e, ao invés de sal, produzem ostras, amêijoas e berbigão.
Aveiro é assim, reinventa-se, sem esquecer a história. Foi isso que aconteceu com a nova e cobiçada estação de comboios. Por muita pressa que os passageiros tenham, com medo de perder o comboio, ninguém pode ficar indiferente às peças de azulejaria de azul-cobalto que decoram aquele espaço, agora modernizado. Aliás, os painéis de azulejos acabam por decorar outros espaços da cidade e da região.
Claro que a Ria de Aveiro acaba por marcar a cidade, não só pelo seu típico habitat, mas também pela diversidade de ambientes, biodiversidade e valências únicas. A marca é própria e única. As rotas são inúmeras e os itinerários podem ser traçados entre o urbano, a serra e o mar. Ou melhor ainda, misturando todos os ingredientes.
Os pretextos para visitar Aveiro não cabem aqui, porque é preciso sentir, ver, cheirar e, claro, provar ou saborear para perceber que direção tomar. Por defeito, apenas deixamos algumas pistas e ficam outras tantas em aberto, para que se junte a curiosidade e o espirito de descoberta. As escolhas e os caminhos serão uma consequência. Mas será preciso tempo.
Também pode optar por ver tudo à distância, não é a mesma coisa, mas há a promessa de captar uma paisagem diferente. Neste caso serão precisas pernas treinadas e algum fôlego, porque a alternativa implica subir 288 degraus. É este “o preço a pagar” para subir ao farol mais alto de Portugal. A entrada é gratuita e as portas abrem à quarta-feira de tarde.
O farol tem um alcance luminoso de mais de 40 quilómetros e desde o século XIX que se ergue na Praia da Barra, mantendo ainda o estatuto pertencer ao grupo dos mais altos do mundo (62 metros de altura). Subir pode não ser para todos, mas a descer todos os santos ajudam e, em Aveiro, veneram-se dois. A Santa Joana, padroeira da cidade e o santo casamenteiro ou “curador de ossos”, S. Gonçalinho.
Ao fim de algumas horas por Aveiro e depois de perceber que, para além da presença do azulejo decorativo, esta é também uma das cidades (tal como o Porto) com vestígios da chamada Arte Nova, pode pensar que já viu tudo. Desengane-se, há sempre algo mais e os novos passadiços irão provar isso mesmo. Até porque a viagem traçada pela orla dos canais será sempre diferente. Basta que mude a maré (baixa ou alta) e a posição do sol, para ficar com a sensação que ainda tem muito para conhecer.
Mais uma vez e para fazer jus à própria cidade também o itinerário destes passadiços é todo ele plano e pode ser feito a pé ou de bicicleta. Duas horas é o tempo que pode demorar se percorrer estes 6 a 7km a pé, para ida e volta terá de contabilizar o dobro. Não estranhe as indicações que podem aludir a Salreu, Estarreja. É que este é apenas o primeiro de um traçado maior e que se projeta para ter 23 km, ligando Aveiro a Estarreja.
Ainda em jeito de curiosidade, se por acaso encontrar uma ponte repleta de fitas coloridas saiba que está em cima da Ponte dos Namorados ou da Amizade. Os cadeados foram trocados por fitas e, ao invés dos pesados cadeados, as mensagens escrevem-se em laços. Nas redondezas, o comércio local já está preparado para vender estas fitas coloridas, que são depois preenchidas e enlaçadas na ponte.
Convém lembrar os mais distraídos que, como qualquer região portuguesa, Aveiro também tem as suas iguarias e tradições gastronómicas. As enguias e a caldeirada de peixe não devem ser negligenciadas, mas são os ovos-moles que reinam na cidade e que têm direito a uma confraria e tudo. Apresentam-se em réplicas que lembram o mar (búzios, peixes, conchas ou barricas), mas serão de inspiração conventual, numa tradição que perdura naquelas terras por mais de cinco séculos.
Uma visita a Aveiro implica necessariamente, provar os ovos-moles.
A todos estes argumentos, ainda podemos sugerir que não se fique pela cidade. A região tem muitas outras atrações. Seja na costa, sem deixar de olhar para os palheiros da Costa Nova, seja mais em terra, como o Museu Marítimo de ílhavo (uma homenagem ao bacalhau), o Museu da Vista Alegre; a Cidade-Museu do Azulejo que é Ovar, onde encontra a inigualável Igreja de Válega; as Dunas de S.
Jacinto; ou uma das maiores lagoas da Península Ibérica, a Pateira de Fermentelos…
Aveiro, cidade ou região, têm sempre muitos pretextos para querer voltar, faça sol ou faça chuva, com nortada ou não.
Conceição Abreu
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