Não só podem, como devem. E, se nos primeiros 12 meses de vida, a alimentação é cuidadosa, atingida essa etapa da vida do bebé chega a permissão para “passarem a comer de tudo”. É a partir daqui que se define a identidade alimentar e o modelo familiar que se segue será altamente preditivo do risco de doenças crónicas na idade adulta. As birras, manipulações, negociações ou condescendências não são o caminho, tal como a exclusão da lactose ou do glúten, apenas por decisões fundamentalistas

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define o conceito de Saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença”. Para a plenitude deste bem-estar, a alimentação constitui um amplo fator determinante, desde o crescimento e desenvolvimento intrauterino, até ao envelhecimento e final do percurso da vida.

Em geral, no decurso dos primeiros 12 meses de vida, a alimentação é cuidadosa, metódica e meticulosamente selecionada pelas famílias, sob a orientação dos profissionais de saúde que as assistem. Desde o aleitamento materno, às fórmulas de leite infantil, alternativas para substituição ou complemento, passando pela diversificação alimentar, durante o primeiro ano de vida, a alimentação dos bebés, geralmente, cumpre os critérios e requisitos intrínsecos à modulação da sua condição de saúde, cuidadosamente adaptados ao ritmo de crescimento e desenvolvimento físico e cognitivo de cada um. 

Uma vez atingida esta etapa marcante da vida do bebé, os progenitores recebem a tão ansiada e esperada permissão, para dar início à integração nos hábitos alimentares da família. “Pode passar a comer de tudo!” É, portanto, nesta fase que “tudo” pode progredir no sentido da estruturação de um padrão alimentar saudável, diversificado e equilibrado, ou, “tudo” pode involuir, no sentido oposto, pela definição de um padrão alimentar monótono, desequilibrado e pouco ou nada saudável. 

É no decurso da infância que a identidade alimentar começa a ser modulada. As preferências, gostos e aversões alimentares serão dependentes das degustações experienciadas no contacto sensorial com os alimentos, razão pela qual, a diversificação deve incluir o maior número de alimentos possível, de todos os grupos que integram a roda dos alimentos, de forma a promover e proporcionar a familiarização com a mais vasta amplitude de sabores, de texturas e de consistências. Importa considerar também, a relevância da ampla diversificação alimentar, na prevenção de neofobias (aversão a novos alimentos) e bizarrias alimentares, particularmente frequentes entre os 2 e os 6 anos de idade, e, com maior incidência, em crianças com um padrão alimentar menos diversificado.     

O modelo familiar é, portanto, altamente relevante e determinante para a estruturação do padrão alimentar da criança e, por inerência, altamente preditivo para a modulação individual do risco de doenças crónicas em idade adulta, fortemente correlacionadas com o risco cardiovascular e cerebrovascular. 

As crianças tendem, globalmente, a imitar o comportamento dos adultos de referência, e a alimentação não fica excluída desta conduta. Neste sentido, importa que essas figuras de referência mantenham um padrão alimentar adequado, diversificado, equilibrado e saudável, de forma sistematizada, coerente e harmoniosa com a psicopedagogia, transversalmente do seio familiar ao contexto escolar, e vice-versa. É também comum nestas idades, a replicação e somatização de pseudo aversões alimentares expressadas pelos pares. 

A sopa, os vegetais, o peixe e a fruta, são alguns dos alimentos que mais frequentemente são rejeitados neste contexto, o que pode ter origem em meio escolar e replicar-se no ambiente familiar, ou vice-versa, sendo que, o mais frequente é a expressão unilateral, com muito maior incidência no seio familiar. Incutir hábitos alimentares saudáveis alicerça no modelo, como tal, deve ser proporcionado um ambiente alimentar equilibrado, para que a criança desenvolva, espontaneamente, interesse pelos alimentos, sem pressão, sem birras, sem manipulações, e sem negociações e condescendências parentais que, em geral, tendem a exacerbar e vincar a pseudo aversão e a recusa. 

Autonomizar as crianças na administração das refeições, sem modificar a consistência dos alimentos, promovendo e estimulando a mastigação e a descoberta sensorial e apreciação dos sabores e texturas dos alimentos, não só contribui para a otimização da diversidade alimentar e respetivo interesse nutricional, como representa um excelente contributo no âmbito da regulação da saciedade, e, por inerência, da prevenção do excesso de peso e da obesidade infantil. A apresentação e o sabor dos alimentos devem ser apelativos, contudo, suportados por métodos de confeção simples, evitando os fritos e demais confeções elaboradas, que requeiram quantidades excessivas de gordura; o excesso de sal de adição e constituição (conservas, enchidos, fumados, refeições pré-cozinhadas, molhos, etc.); e o excesso de açúcar de adição e constituição (bolos, bolachas, gomas, sumos, refrigerantes, etc.). O apetite difere de criança para criança e pode, naturalmente, apresentar variações, mesmo sem associação a doença. Devem respeitar-se essas oscilações espontâneas e evitar incentivar a criança a repetir, bem como, não a incitar nem a forçar a comer para além do seu apetite, procedendo se necessário, à adequação das porções servidas para o prato em cada fase da diminuição do apetite, que poderá correlacionar-se simplesmente com diferentes fases do seu processo de crescimento.

As apelidadas “evicções alimentares terapêuticas”, não associadas a doença, que cada vez assumem maior expressão, no âmbito de medidas protetoras e alegadamente promotoras da saúde, como evitar a lactose, o glúten e, em circunstâncias mais extremas e fundamentalistas, a exclusão parcial ou total de grupos da roda dos alimentos, não só não têm evidencia cientifica de beneficio para a saúde das crianças, como se demostram totalmente desprovidas de interesse terapêutico. Podem, pelo contrário, representar potencial risco para precipitar intolerâncias adquiridas, na sequência da privação do aparelho digestivo à respetiva exposição, e até condicionar e comprometer o crescimento e o desenvolvimento. A evicção de alimentos que contenham glúten e/ou lactose, entre outros, só deve ser considerada quando indicada por profissionais de saúde habilitados para o efeito.

A alimentação desequilibrada, por excesso, vulnerabiliza direta e indiretamente cada pilar estrutural da tríade de sustentabilidade para a saúde, considerada pela OMS. Por outro lado, essa vulnerabilidade também ganha expressão, quando o desequilíbrio da alimentação se verifica, por defeito. 

A plenitude do crescimento e desenvolvimento saudável, alicerça no bem-estar físico, mental e social, que dependem intimamente de um padrão alimentar robustamente diversificado e equilibrado, que inclua múltiplos géneros de todos os grupos da roda dos alimentos, harmoniosamente conjugados, de acordo com a proporção graficamente representada por este recurso pedagógico, que deverá ser também retratado no padrão alimentar familiar, para maior sucesso na modulação e na sistematização.

As crianças devem, de facto, “comer de tudo” o que constitui o padrão alimentar das suas famílias! 

De “tudo” o que for equilibrado,
de “tudo” o que for diversificado, e, 
de “tudo” o que for Saudável! 

Paulo Mendes
(Nutricionista)

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