Praia típica já era e, num tempo em que não existia booking ou trivago, eram as nazarenas que saiam à rua com as suas placas de “quarto aluga-se”, escrito nas mais diversas línguas, porque os estrangeiros já por ali andavam. Antes deste turismo ainda envergonhado, era o peixe e o mar que davam o sustento. A praia do Norte haveria de provocar uma reviravolta e as ondas gigantes mudariam a história da vila. Sim, porque há um antes e um depois de Garrett McNamara
No início era tão só uma vila piscatória, com redes e barcos adaptados à rebentação das ondas da Nazaré. Eles iam ao mar e elas esperavam em terra. Há teorias que assim justificam a necessidade das sete saias, usadas para se cobrirem durante a vigília que faziam no areal, enquanto esperavam o regresso dos barcos.
Mais tarde, seriam também elas que saíam à rua para cativar turistas, seja para o aluguer de quartos, seja clientes para os restaurantes, com placas escritas em várias línguas e sempre à beira da estrada. Em meados do século XX, a vila já tinha fama de uma boa praia e clientes não faltavam, até porque aquele que é considerado o primeiro santuário português foi ali que se ergueu, no Sítio da Nazaré, o que – por si só – já justificava uma peregrinação, graças a Nossa Senhora da Nazaré. A pequena imagem em madeira tem atraído fiéis ao longo de vários séculos. Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral não partiram às descobertas, sem uma visita em peregrinação à Nazaré, tal era a popularidade entre as gentes do mar. A veneração manteve-se.
E se o mar sempre foi tudo para o povo da Nazaré, assim continua a ser, mas os protagonistas são outros. A arte Xávega caiu em desuso, ficou a sua recriação. Os trajes típicos já não se usam no dia-a-dia, mas as mulheres da Nazaré sabem que essas mesmas sete saias atraem turismo e por isso vestem-nas, seja enquanto vendem tremoços e amendoins, seja enquanto encenam a dança folclórica.
Hoje o peixe também continua a ser seco, apesar de já não ser uma necessidade imperiosa para o conservarem. O estendal de secagem de peixe está a sul da praia e qualquer um pode visitar o seu Centro Interpretativo, onde se contam as histórias e as técnicas desta tradição. As peixeiras continuam ali a secar e a vender o peixe. A moda de ir a banhos na praia da Nazaré mantém-se, tal como a subida ao Sítio, mas agora sem o famoso ascensor (que continua parado).
A essência da vila mantém-se, mas o que haveria de mudar a Nazaré seria uma comunidade diferente e de prancha nos pés. As ondas gigantes sempre existiram na Nazaré, até porque o canhão não se consolidou agora, mas seria este desfiladeiro submarino que haveria de alimentar a nova fama da vila da Nazaré, a partir de 2011.
Há um antes e um depois de Garrett McNamara. Novembro de 2011 passou a ser um marco, quando foi notícia que havia sido surfada a maior onda do mundo. A imagem de McNamara ficou indiscutivelmente associada à Nazaré.
Vieram outros e outros recordes mundiais.
Se antes poucos conheciam os efeitos deste raro acidente geomorfológico (o maior da Europa – dizem), que mais não é do que uma falha na plataforma continental com 5 mil metros de profundidade e 170 km de extensão, o espetáculo surfista acabaria por levar o nome da Nazaré a dar a volta ao mundo.
O Forte de S. Miguel, na ponta do promontório já não é usado como posto de defesa dos piratas, mas sim como posto vigilante das ondas da Nazaré. O espetáculo fica logo ali. E, seja verão ou inverno, o vai e vem de gente é constante, a pé ou nas viagens turísticas que agora se organizam, há uma nova peregrinação a nascer na Nazaré e já são poucos os que têm o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré como destino.
Em baixo, o casario e os bairros dos pescadores mantêm-se e as barracas da praia continuam forradas com tecido às riscas. Os hotéis começaram a crescer e a vila piscatória agigantou-se.
O destino ficou popular e os turistas já não vão só a banhos. O vai e vem deixou de ser sazonal, porque além do verão, é no inverno que as ondas se tornam mais promissoras. Mas, para além do surf, os novos turistas também procuram outras experiências próximas da natureza e nem sempre dentro do mar. As caminhadas pela Duna da Aguieira são um bom exemplo, ou partir à descoberta da Igreja de São Gião, também se tornou um desafio a cumprir. Tão só porque não existe muita sinalização, o caminho faz-se em terra batida e a própria igreja encontra-se dentro de uma quinta abandonada. Será um dos templos mais antigos do país e um dos raros exemplos de arquitetura do século VII.
A par com todas as boas ondas da Nazaré é preciso acrescentar a gastronomia e quase todos sabem que se podem deliciar com um bom peixe fresco, o mais difícil será escolher em qual restaurante. Bom passeio!
Conceição Abreu
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