O medo da verdade ou simplesmente o medo tem um efeito poderoso no sistema nervoso de todos nós. Os telómeros encurtam e a luta tenaz contra os invasores adivinha-se perdida. Mudar um neurotransmissor ou ceder tempo para mais uma palavra pode fazer a diferença no binómio saúde doença

Francisco, impregnado de medo, preparava-se para ir ao médico… a um especialista. As queixas, que começaram algum tempo antes, não desapareceram com as mesinhas que os vizinhos recomendaram, e o medo aumentava com a ideia de poder não ser coisa boa. Não dormia tranquilamente, o apetite diminuiu, falava sozinho a dizer mal da sua vida e, no trabalho, já não tinha sossego. E lá foi, a um doutor referenciado pelo médico de família, misturando-se com os muitos que se aglomeravam numa sala de espera do hospital, pronto para contar a sua história e acabar com aquele mau estar que o apoquentava. Durante cerca de dez minutos, o especialista escondido atrás do computador, tomou notas e, no final, deu-lhe uma prescrição de exames a fazer com urgência, voltando mais tarde a nova consulta para ver o que se podia fazer.

Agora, Francisco já não estava só preocupado com as queixas, mas também com o resultado dos exames. E nem teve tempo para falar abertamente com o médico da preocupação, do medo e do seu trabalho que já não lhe dava gosto. E dizer-lhe que as pessoas, quando estão em sofrimento, querem alguém que as ouça e que compreenda os seus receios e dúvidas, mais do que uma solução rápida…

A perda da capacidade de prestar atenção tem consequências graves na atividade médica e a desculpa de falta de tempo conduz sempre a exames superficiais e a diagnósticos apenas imagiológicos. Errar a forma de comunicar com o doente é, eventualmente, mais prejudicial do que levar mais tempo a fazer o diagnóstico.

Os avanços tecnológicos no campo da medicina conseguem permitir, em tempo real, conhecer a causa das queixas, antes de se conhecer a identidade física e psicológica do doente. Ora, no ano da nossa revolução dos cravos, foi dada a conhecer ao mundo uma descoberta sensacional, que permitiria olhar de forma diferente sobre a importância dos placebos e do cérebro emocional na evolução das doenças.

Foi revolucionário o conceito de que as células cerebrais entram em contacto direto com as células do sistema imunitário podendo, através de neurotransmissores, ativar ou inibir a resposta do nosso organismo à invasão de vírus, bactérias ou crescimento desordenado de células malignas. Cérebro e sistema nervoso central são essenciais ao funcionamento do sistema imunológico.

Começou a fazer sentido que as técnicas de relaxamento, como a yoga, o conhecimento e aceitação natural da doença, o pensar positivo (não se deixando vencer pelo infortúnio), o sentir o apoio da família e dos amigos, a preparação determinada para a luta e o grito de guerra perante os invasores, são remédios verdadeiros que podem ter tanta ou mais força que a quimioterapia ou radioterapia.

O stress e as emoções têm um efeito poderoso sobre o sistema nervoso não dependente da vontade e, o estado de alerta estimulado pelas inúmeras substâncias que entram na corrente sanguínea, constituem um reforço das defesas globais do organismo, de forma que apaziguar o medo e diminuir a ansiedade têm um poder curativo na primeira linha de combate.

Muitos estudos comparativos comprovam que, em isolamento, aquele que se sente só tem uma probabilidade de resistir à doença três a quatro vezes inferior àqueles que têm uma vida social estável, sendo os efeitos da hipertensão, obesidade ou hipercolesterolomia inferiores a este complexo psicológico de solidão e negritude mental. Em certas condições, pouco adianta tratar situações resultantes de falências biológicas, como as atrás mencionadas, e ignorar o efeito do alongamento dos telómeros com o bem-estar psicológico e emocional.

A medicina do século XXI não pode ignorar o papel vital da constituição genética dos humanos, na longevidade e alargamento do tempo de saúde, nem tão pouco da capacidade de adaptação individual, do binómio saúde/doença, através do reforço do ADN existente nas extremidades dos cromossomas – telómeros – que permitem aos sistemas de defesa lutarem tenazmente contra os invasores mais terríveis como vírus, bactérias e células malignas.

Os cuidados médicos modernos, predominantemente concentrados no diagnóstico rápido, à custa de exames invasivos ou imagiológicos de alta tecnologia, processam a informação de dados a alta velocidade, sem tempo para um exame clínico apurado e minucioso do doente. Não há tempo para ver, nem ouvir convenientemente o portador da enfermidade. O sintoma preocupante foi a razão que levou o Francisco a um especialista, mas esse é apenas um sinal.

O médico de família, com 1800 ou 2000 doentes no seu ficheiro, faz verdadeiros milagres em apenas dez minutos. Como? Com receitas, um sorriso, a última queixa, até à próxima e um rápido adeus, porque outros já estão a barafustar à porta.

Nas urgências hospitalares, onde se estabelecem prioridades, os não prioritários passam por um filtro apressado e por isso pouco rigoroso, devido ao volume crescente de doentes, sendo que alguns têm de voltar duas e três vezes às urgências para resolver o problema clínico. Cada vez mais ansiosos e condicionados pelo medo. O medo da verdade ou o medo de serem enviados novamente para casa sem solução. E este medo encurta os telómeros e os doentes com telómeros mais curtos têm menos saúde. Um círculo vicioso.

Antidepressivos e ansiolíticos, que bastante mal fazem às células cerebrais, danificando completamente a memória e outras funções importantes, não substituem a relação empática médico doente, tão necessária num momento de fraqueza.

Transferir o medo e a angústia na amígdala cerebral em esperança e confiança, é tudo o que o Francisco pretende. Mantém-se o circuito límbico, apenas com uma mudança de neurotransmissor. Uma palavra, por vezes, basta….

Raimundo Fernandes

(Médico Neurocirurgião)

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