Um respeitado infeciologista pediatra, José Gonçalo Marques (JGM),  publica um artigo de opinião (Público de 11/08/21) em que contraria a diretiva da DGS de iniciar a vacinação contra Covid-19 às crianças dos 12 aos 15 anos.

JGM começa por referir alguns dados que menorizam os efeitos protetores da vacinação. Diz ele: “Em Israel a taxa de proteção para a variante delta conferida pela vacina é de 39%” e no UK “a carga viral nos infetados é semelhante entre os não vacinados e os previamente vacinados, traduzindo uma mesma capacidade de propagarem a infeção.”

Mas a agência norte-americana de controle sanitário, o Centers for Disease Control  and Prevention, CDC, a 6 de agosto, apresenta os dados de uma maneira ligeiramente diferente: as pessoas vacinadas que são infetadas com a variante Delta- escreve o CDC – podem transmitir a doença. Contudo, parecem ser infeciosas durante um período mais curto de tempo que as não vacinadas. Quer dizer que, mesmo para uma variante com maior capacidade de infeção e de transmissão, as vacinas existentes conferem uma superioridade e não apenas no aspeto primordial de gravidade dos sintomas e risco de mortalidade.

JGM detém-se, seguidamente, nos efeitos adversos da vacina, para transmitir a ideia de que “não são inferiores aos (efeitos) da doença “, “não há superioridade na imunidade conferida pela vacina” e que as “situações de miocardites/pericardites associadas à vacinação continuam em averiguação”. 

Esta última questão é importante. As repercussões cardíacas, quer da infeção quer da vacina, avaliadas através de marcadores da função e da estrutura, nos doentes com sintomas  prolongados pós Covid ou após vacina, estão, como tantos aspetos desta doença, longe de ser apurados em toda a sua extensão. Mas as alterações atribuídas a miocardite/pericardite após a segunda dose das vacinas m-RNA contra Covid-19 foram benignas e muito raras. Um estudo recente mostrou a seguinte relação risco/benefício por cada milhão de segunda dose de vacinas mRNA administradas a adolescentes entre 12-17 anos:  Risco potencial de miocardite nas raparigas: 8-10 casos. Nos rapazes: 54-69 casos. Benefícios: 17.000 casos evitados; 366 hospitalizações; 76 internamentos em UCI; 2 mortes.

Anote-se que o risco de miocardite, que, repita-se, em muitos casos não necessitou de internamento nem medicação, não é, neste estudo, muito diferente no grupo etário entre 18-24 anos, cuja vacinação, tal como acontece nos adolescentes com 16-18 anos, decorre entre nós tranquilamente, sem que tenhamos dado conta de objeção qualificada.

O estudo conclui que “o balanço é favorável à vacinação em todas as idades”; por isso, nas conclusões, a vacinação é “recomendada para todos, acima dos 12 anos de idade”. E é essa a formulação repetida pelo CDC.

A hesitação de vacinar de JGM é, pois, baseada numa análise pouco entusiástica das vacinas, num otimismo muito marcado, de quem viveu a pandemia num contexto em que as crianças foram relativamente poupadas e já se esqueceu do Síndrome Inflamatório Multisistémico (MIS-C), cuja incidência e gravidade são muito superiores à da miocardite que agora cita e, finalmente, numa precaução relativamente aos risco/ benefício das vacinas. É preciso dizer que, baseados nas mesmas premissas, cientistas com os mesmos créditos concluíram pela vacinação universal das crianças dos seus países e decisores políticos deram instruções para vacinar milhões de crianças. 

JGM conclui que “A repercussão de cada vaga será provavelmente progressivamente inferior e regredirá sem necessidade de estado de emergência nacional, graças à vacinação da população adulta, onde a doença tem mais impacte, e à crescente aquisição de imunidade após infeção.” 

Todos desejamos isso. Mas, tal como os números apontados para a aquisição de “imunidade de grupo” que há um ano deliciavam os nossos epidemiologistas, hoje se revelam “míticos”, também esta confiança no futuro não tem bases científicas inabaláveis. Ninguém sabe como se comportarão as novas variantes no que diz respeito aos diferentes grupos etários, à duração da imunidade após infeção e com as diferentes vacinas utilizadas, à circulação conjunta do SARS-CoV-2 com os outros vírus respiratórios, aos efeitos das novas formas de convivialidade entretanto surgidas, ao desigual acesso à vacina dos diferentes países, à extensão dos movimentos anti-vacinas que se alimentam de diferenças de interpretação como estas.

Todos queremos o mesmo. Não há ninguém que não invoque o superior interesse das crianças. Mas o superior interesse das crianças implica pais e avós saudáveis, convívio geracional e intergeracional, actividade física, alimentação saudável, contacto aberto e franco com a natureza e respeito por todas as formas de existência, ensino de qualidade presencial e à distância. E, no meu entender, implica a aquisição rápida de imunidade através do programa vacinal em curso.

O papel dos peritos é muito importante. Eles conhecem os dados resultantes dos estudos, desenharam alguns, motivaram outros, leram-nos criticamente, muitas vezes em pré-publicação, pensaram e discutiram sobre os temas. Mas os estudos são numerosos e muitas vezes contraditórios. Os peritos raciocinam tendo por base a sua formação científica prévia, mas também a sua visão pessoal do mundo. Os decisores também. Devem, como tem acontecido, dialogar e respeitar-se mutuamente. 

Luís Januário,
Médico Pediatra

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