O que pensam? Como contam os dias? Quais os sonhos e os projetos? Alguém se incomoda com estas e outras questões. Gostava de saber o que pensam quando ficam de manta nos joelhos a olhar pela janela. Contam os dias ou esperam pela morte?

A questão torna-se mais inquietante porque pouco ou nada se fala do que se chama fim da vida ou o caminho que se percorre para lá chegar. Envelhecer deixou de ser um privilégio de uns quantos (mais sortudos ou não) e passou a ser um direito, mas a que preço?

A COVID-19 destapou algumas dessas questões e o país (se não sabia ou fingia não saber) ficou a perceber que este é um país onde não faltam “lares para velhos”. Nem vou aqui discutir a condição que leva aqueles seres humanos a saírem das suas casas, das suas famílias, das terras onde sempre viveram para ficarem “internados” num lar. Nem tão pouco a palavra “lar”; “casa de repouso” ou outro termo a que a imaginação recorre.

O que eu queria mesmo saber não é isso. O que gostava mesmo de saber é o que pensam os habitantes desses ditos lares, estão ali à espera da morte? O que pensam? O que sentem? Como contam os dias? Que projetos têm? Com que sonhos adormecem? 

Mais ninguém se incomoda com estas questões? Porque não há debates, nem é um tema televisivo?

Entrar numa casa que não é a nossa e por isso um espaço estranho, traz, por certo, um vazio incompreensível, difícil de digerir. Ficar rodeado de pessoas que não conhecem e que nunca viram; dormir num quarto e numa cama que nunca foi sua; receber para as mãos um babete porque a colher pode ter um percurso sinuoso e é preciso evitar as nódoas; deixar que nos digam quando temos de comer, sem que possamos dar palpite sobre a ementa; ouvir dizer quando temos de tomar banho, respeitar a hora de deitar; apagar a luz à hora marcada… serão estas algumas das novas rotinas para quem pensa que já aprendeu tudo na vida.

Não há cheiro a descanso ou a paz e o silêncio destes dias será de certeza muito ruidoso. Haverá quem resista e quem acredite que é possível continuar a escalar os dias da vida assim? Bem sei que resistir desgasta. Mas o que pensam e o que esperam quando ficam de manta nos joelhos a olhar pela janela? Contam os dias? Esperam visitas ou desistiram e estão à espera da morte? 

Bem sei que estas são questões complicadas. Bem sei que não se pode generalizar. Bem sei que alguns desses lares até têm espaços de convívio, para exercício físico, para bricolages. Mas é isso que eles querem? 

Alguém sai dali vivo?

António Travassos
(Médico, Oftalmologista)

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