A resposta é anormal e exagerada. E, se nuns casos é possível inverter esta reação imunológica, noutros é preciso seguir uma espécie de Plano B. Não há um Manual de sobrevivência para as alergias alimentares, mas há planos de tratamento e formas de reduzir o risco

Qual a diferença entre alergia e intolerância alimentar?

A “alergia alimentar” é uma resposta “anormal” contra alimentos e é desencadeada por uma reação imunológica. Ocorre frequentemente pela produção de anticorpos IgE contra o alimento, nos primeiros minutos e logo após o contacto com o alimento. Por outro lado, na “intolerância alimentar” as reações são uma resposta a mecanismos não imunológicos e estão dependentes da quantidade de alimento ingerido.

Os casos mais frequentes de intolerância são o défice de produção de enzimas intestinais, como no caso da intolerância à lactose, em que o intestino não produz lactase, enzima fundamental na digestão do açúcar do leite (lactose). A alergia alimentar, ao contrário das intolerâncias, pode provocar manifestações graves e colocar em risco a própria vida  podendo ser fatal.

Como se manifesta uma alergia alimentar?

A apresentação clínica de uma alergia alimentar é variável e dependente da idade. Em geral, a alergia aparece após a ingestão de um alimento cru ou cozinhado, mas também pode surgir pela inalação de vapores de cozedura ou tão só pelo contacto com a pele.

As manifestações cutâneas são a resposta mais frequente e incluem edema da pele ou mucosas (angioedema), urticaria ou eczema. As queixas gástricas como, recusa alimentar, vómitos e diarreia são mais frequentes nas crianças. O agravamento da asma ou tosse são sintomas menos frequentes. Podem ocorrer ainda situações mais graves de alergia alimentar, com reação, envolvendo vários órgãos em simultâneo, casos que podem levar à morte – por anafilaxia ou choque anafilático.

Quais os principais alimentos responsáveis por alergia alimentar?

Qualquer alimento pode desencadear alergia e, em Portugal, os alimentos implicados em 90% dos casos são o leite de vaca, ovos, frutos secos, frutos frescos, peixes, mariscos e trigo.

Na criança, os alimentos que induzem um maior número de casos de alergia alimentar são o leite de vaca, ovos, trigo e peixes, enquanto no adulto, os casos de alergia incidem mais pelo amendoim, frutos secos, frutos frescos, mariscos e peixes.

Na última década, têm vindo a aumentar os casos de alergia grave a vários frutos frescos, vegetais e frutos secos. Por exemplo a alergia a LTP (Lipid Transfer Protein), uma proteína de defesa das plantas presente em diferentes frutos e legumes e que, nos países do sul da Europa, tem sido responsável pelo maior número de anafilaxia a frutas e vegetais, observado nos últimos anos. Por outro lado, alguns doentes sofrem de alergias a mais do que um alimento, o que aumenta a complexidade do diagnóstico e o impacto na sua qualidade de vida e dos seus familiares.

Como fazer o diagnóstico de alergia alimentar?       

Em primeiro lugar, o diagnóstico assenta numa boa história clínica. Os testes cutâneos de alergia são os principais testes de diagnóstico, porque dão uma resposta positiva nos casos de verdadeira alergia. Estes testes são de execução técnica simples e rápida, são pouco dolorosos e o resultado é apurado em 20 minutos. Outros exames muitas vezes úteis são o doseamento da IgE específica sérica e as provas de provocação oral.

Os testes sanguíneos de intolerância alimentar, com grande divulgação no nosso país nos últimos anos, não têm um valor de diagnóstico e não recomendamos a sua realização no rastreio destas situações. A eventual restrição alimentar recomendada por estes testes pode levar a défices nutricionais, particularmente perigosos na criança. Nos casos de suspeita de intolerância alimentar as provas de provocação são o único método de avaliação.

A alergia alimentar tem cura?   

No lactente, a maioria dos casos de alergia ao leite ou ovo, o problema fica resolvido até à idade escolar, se houver uma orientação adequada (aquisição natural de tolerância). Se a alergia se iniciar na criança em idade escolar ou no adulto em geral, a alergia persiste para toda a vida, como é o caso da alergia aos frutos secos ou frescos, mariscos, peixes ou vegetais.

Após confirmação da alergia ou intolerância alimentar o tratamento assenta na eliminação completa do(s) alimento(s); no tratamento de eventuais reações – saber atuar em conformidade com um plano de tratamento escrito fornecido pelo especialista – e na educação do doente, familiares e a escola, alertando para o risco acidental da ingestão desse alimento.

Note que mais de 50% das crianças com alergia alimentar têm reação alérgica por ingestão acidental nos primeiros 5 anos de vida.

Nos casos de anafilaxia, o doente deve saber quando e como utilizar o kit para autoadministração de adrenalina. E, em casos especiais, poderemos induzir tolerância aos alimentos a que é alérgico através de imunoterapia específica.

O risco de ingestão acidental do alimento constitui um problema de grande ansiedade, particularmente nos casos mais graves de alergia. O impacto da prevalência da alergia alimentar e do risco dos alergénios ocultos levou a que tivessem sido tomadas medidas a nível do Parlamento Europeu, relativamente à obrigatoriedade de rotulagem e informação aos consumidores sobre ao alimentos e aditivos presentes nos géneros alimentícios. Esta legislação entrou em vigor em Portugal em 2014 e constitui um importante marco, pois permite a identificação dos alergénios alimentares com menores riscos para o doente alérgico.

A alergia alimentar está a aumentar?

À semelhança dos países desenvolvidos, também em Portugal as alergias a alimentos são cada vez mais frequentes e graves. A alergia alimentar pode manifestar-se em qualquer idade, com claro predomínio em lactentes e crianças, estimando-se que atinja 5 a 10% das crianças e adolescentes e 1 e 2% dos adultos. A prevalência em idade pediátrica tem vindo a aumentar exponencialmente nos últimos anos e foram inúmeras as famílias que tiveram de alterar os hábitos alimentares por alergia alimentar, com impacto significativo na qualidade de vida e implicações económicas e sociais e legais importantes.

A alergia alimentar será a primeira causa de reação alérgica grave na criança e os casos são cada vez mais complexos e persistentes até à idade adulta. A situação é complexa e as causas deste aumento de casos de alergia alimentar não estão completamente esclarecidas. Há alguns fatores de risco conhecidos e é sabido que o risco aumenta consideravelmente nos indivíduos com familiares com doenças alérgicas ou alergia alimentar. Calcula-se que cerca de 30 a 40% das crianças e 20% dos adultos com eczema atópico, sofram uma exacerbação da sua doença com a ingestão de alguns alimentos. Também a toma de biberão na maternidade é um fator de risco conhecido para a alergia as proteínas do leite de vaca.

Pensa-se que modificação dos hábitos alimentares, com a introdução de novos alimentos na dieta e a utilização crescente de produtos processados industrialmente, mas também a agricultura praticada nos nossos dias, poderão contribuir para o aumento crescente de casos de alergia e de intolerância alimentar.

Por existirem casos de alergia alimentar que podem ser graves e potencialmente fatais é importante que qualquer suspeita seja devidamente investigada por especialistas em imunoalergologia.

Emília Faria

(Médica, Imunoalergologista)

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