“Cada época tem a sua própria leitura do mundo e uma não é melhor que a outra. A verdade é uma invenção interpretativa, cujos conceitos são datados e que dura até que uma outra verdade venha substitui-la”. (Michel Foucault)

Já foi um hábito considerado normal, mas hoje seria impensável juntar uns quantos milhares numa arena, à espera de um combate de morte. A política do pão e circo mudou, dispensou os gladiadores e a violência direta. Na época, era uma espetáculo normal e aceite pela sociedade. Hoje, já estamos num tempo em que questionamos se um touro pode ou não morrer na arena…

Chamam-lhe evolução, progresso ou melhoramento. O certo é que a sociedade nem sempre defendeu o que (hoje) nos parece mais correto ou melhor. O que aplaudimos “ontem” não é o mesmo que hoje se enaltece. E ainda bem que é assim, porque “cada época faz a sua própria leitura do mundo”. Num e noutro tempo, a sociedade sempre aplaudiu o que considerava normal, os comportamentos repetidos, o previsível, aquilo que possa garantir equilíbrio, uma espécie de autorregulação.

A normalidade sempre foi validada sem um termo de comparação, mas apenas porque era algo previsível, um hábito comum, tudo o resto seria anormal. Ser normal revelou-se uma poderosa ferramenta. A normalidade passou a ser aquilo que a sociedade aceita. Os comportamentos repetidos serão normais e os que ocorrem poucas vezes serão patológicos.

Será assim? Nem sempre, nem nunca. Os filósofos invocam a normose, a doença de ser normal, uma patologia que leva à infelicidade e perda de sentido da vida, tão só pelo conjunto de hábitos que todos consideram como normais.

Admite-se que esta pode ser uma característica, uma manobra do cérebro que aprecia o que é familiar e que gera desconfiança e medo para tudo o que sai da normalidade convencionada. E o medo consegue imobilizar.

E o que aconteceu para chegarmos aqui? Já nascemos “normais”? Já.

É normal andar aos… meses, falar aos… meses, comer a primeira papa aos…, a primeira sopa… Se assim não for, não faltará a desconfiança dos avós, das tias, dos vizinhos, das amigas. Porquê? Porque é normal isso tudo acontecer num intervalo de tempo balizado pela experiência. A normalidade instala-se assim e aplica-se como instrumento relevante para caraterizar saúde.

Esta normalidade está sempre ligada ao que é previsível e fica associada à ausência de doença, ausência de sintomas ou sinais. Acaba por ser sinónimo de saúde. Mas, é mesmo assim? As mães que hoje ultrapassam a idade “normal” para terem filhos estarão doentes só porque querem ter filhos aos 30, 40 anos ou mais? O que fazer àqueles que não têm uma conta de facebook ou de Instagram? Como classificar este comportamento pouco “normal”? Serão introvertidos? Há espaço para eles? Como podem ser felizes?

É possível resistir a esta normalidade? É. Mas, quantos estão dispostos a questionar tudo o que achamos normal? Sabemos que as pessoas não são construídas em série e, consequentemente, não somos todos iguais. Aprendemos isso, mas aproveitamos pouco o que já sabemos.

Conceição Abreu

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