“Sr. Dr. Venho à consulta para me passar a vacina da gripe. É que este mês já tive duas gripes. Até tive de tomar antibiótico”. Sabe mesmo o que é a gripe, como prevenir e como tratar?

Esta “queixa” revela que apesar de toda a informação disponibilizada acerca da gripe a população não está, ainda, suficientemente esclarecida. A primeira frase traduz o desconhecimento de que a vacinação antigripal deverá ser realizada, preferencialmente, antes de se ser acometido pela doença. E também o desconhecimento que após uma infeção gripal a pessoa adquire imunidade em relação à estirpe desse surto e que, habitualmente, no decurso de um surto só há um subtipo infetante, pelo que é pouco provável que alguém tenha gripe duas vezes durante o mesmo surto. Para além disso, muitas pessoas julgam, erradamente, que todas as infeções, como o caso da gripe, são tratadas com antibióticos.

A gripe é uma doença causada por vírus influenza que sofre frequentes variações antigénicas, ou seja altera as suas características, o que dificulta a produção de defesas imunitárias humanas definitivamente eficazes. É por essa razão que a vacinação é regularmente atualizada e é proposta a sua administração anual aos grupos de risco.

A vacina utilizada em Portugal é proposta, anualmente, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é produzida a partir de 3 estirpes de surtos prévios. É aconselhada a pessoas com 60 ou mais anos de idade, sendo fortemente aconselhada aos designados grupos alvo prioritários: pessoas com 65 ou mais anos de idade, doentes crónicos e imunodeprimidos (com 6 ou mais meses de idade), grávidas e profissionais de saúde e outros prestadores de cuidados. É, assim, fortemente aconselhada, por exemplo, a residentes em instituições, a pessoas em cuidados domiciliários, a diabéticos, a doentes em diálise, a doentes a aguardar transplante, pessoas com doenças pulmonares e/ou cardíacas e/ou renais crónicas. Raramente a vacinação está contraindicada, como acontece a quem tenha antecedentes de reação anafilática (reação alérgica grave e de rápida evolução) às proteínas do ovo.

A doença é transmissível por aerossóis de secreções respiratórias produzidas pela fala, pela tosse e pelos espirros. Pode, também, ocorrer pelo contacto mão a mão ou por vetores passivos contaminados, como por exemplo puxadores de porta. Daí que seja aconselhada a proteção com o antebraço quando tossimos ou espirramos, bem como a lavagem regular das mãos.

Os sintomas da gripe são inespecíficos: febre elevada, 38 a 41ºC, de início súbito descendo progressivamente em 2 a 3 dias, embora possa perdurar por uma semana, dor de garganta, tosse persistente, mal-estar retroesternal e, por vezes, ardor ocular, olhos lacrimejantes e fotofobia (aversão à luz) são os sintomas habitualmente apresentados.

O diagnóstico definitivo da gripe é realizado por isolamento do vírus e identificação do genoma viral em laboratório, o que se faz apenas em situações de gravidade e de risco elevado. Habitualmente, o diagnóstico é baseado nos sintomas apresentados pelo doente e perante a existência de um surto. Neste caso, como não existe certeza absoluta do diagnóstico, fala-se, frequentemente, de síndrome gripal em vez de se falar em gripe. Também, por isso, é habitual o doente referir ter gripe mesmo em caso de sofrer de uma faringite ou de uma constipação, doenças que podem apresentar-se com sintomas semelhantes. Isto ocorre, também, em casos de infeção renal em que alguns doentes se apresentam em consulta referindo estar com gripe.

O tratamento da gripe não complicada é sintomático. Para combater a febre elevada e dor associada, o uso de paracetamol é uma boa opção. O ácido acetilsalicílico está contraindicado por estar associado ao aumento de probabilidade de uma complicação (Síndrome de Reye). O uso de antivíricos, como o oseltamivir, usa-se para prevenir ou minimizar uma evolução para doença grave ou a transmissão da doença a pessoas de grupo de risco, como grávidas ou profissionais de saúde ou doentes internados.

O doente com gripe não complicada recupera, habitualmente, numa semana, mas a doença pode perdurar por 2 a 3 semanas. Contudo, por vezes, sobretudo em indivíduos pertencentes a grupos de risco, podem ocorrer complicações graves. A complicação mais temida é a pneumonia. Pode ser de origem viral, designada de gripal primária, de origem bacteriana, secundária, ou mista. Quando surge o doente refere dificuldade respiratória e à observação apresenta cianose (lábios, língua, pele e leitos unguais arroxeados por falta de oxigenação), aumento da frequência respiratória e alterações da auscultação pulmonar. No caso de pneumonia bacteriana ou mista está indicado o uso de antibiótico que, preferencialmente, deve ser adequado a gérmen identificado.

A vacinação antigripal é pois a principal arma para combater este flagelo sazonal. É durante os meses mais frios o ano que surgem os surtos gripais e é por isso que a administração da vacina está indicada nos meses de Outono e Inverno, de preferência até ao final do ano.

Paulo Queiroz

(Médico, Clínico Geral)

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