Porque é que miúdo, quando era pequeno (e eu precisava de dormir mais um pouco) madrugava todos os dias e agora, que é adolescente, não há nada que o faça levantar da cama? E depois, durante todo o dia, parece que anda sempre cansado, irritado e com sono…

 

Esta é uma “queixa” recorrente das mães dos adolescentes, porque são muito poucos os que não querem estar acordados até tarde e depois prolongar o sono pelo dia seguinte dentro. Cada um de nós tem um relógio interno que regula a temperatura corporal, os ciclos sono-vigília, o apetite e alterações das hormonas com uma regularidade de cerca de 24 horas, que se denomina de ritmo circadiano.

O ciclo sono-vigília é regulado pela melatonina, hormona que nos prepara para o sono, que tem um início de produção pelo início da noite e depois vai decrescendo até manhã

(Figura – linha ponteada), altura em que começamos a ficar preparados para o dia seguinte. A puberdade atrasa esta curva nos adolescentes (linha laranja), o que faz com que o sono só comece a tomar conta deles mais tarde, por volta da meia-noite ou mais e não os deixa acordar cedo, à hora do resto da família e a horas de ir para a escola.

Tendo em conta que os adolescentes necessitam em média de 8-10 horas de sono, para dormirem o necessário, vai haver uma colisão com o horário escolar da manhã e todo um rol de consequências. Começam por ter dificuldade em se levantar, acordam mal-humorados, atrasam-se, adormecem nas aulas ou simplesmente faltam. Se conseguem ir às primeiras aulas da manhã estão sonolentos, com dificuldade em se concentrarem e aprenderem. Ao longo do dia manifestam agressividade e, mais facilmente, envolvem-se em situações de risco. Depois, os testes, que exigem abstração e concentração, se efetuados ao início da manhã, resultam em notas que os desapontam.

 

 

O défice de sono vai-se acumulando durante a semana e, ao fim de semana, dormem pelo dia dentro numa tentativa de compensação, embora também procurem, por vezes, contornar com algumas sestas. Ou ao invés, ingerem bebidas estimulantes para se conseguirem “aguentar”. Mas à noite, na hora de se deitarem, a ausência de sono não é explicada apenas pela turbulência hormonal da puberdade. As solicitações sociais e as novas tecnologias dão a sua ajuda. Atualmente não há nenhum adolescente que não tenha dois, três ou mesmo quatro equipamentos eletrónicos, que em muitos casos os acompanham no quarto e pela noite fora.

Têm sido largamente estudados os efeitos da luz azul, emitida por esses equipamentos, na produção da melatonina e é sabido que promovem o atraso na sua produção, e projetam para horas ainda mais tardias o início do sono, cuja continuidade ao longo da noite vai ainda, nalguns casos, sendo interrompida por repetidas mensagens que vão chegando e às quais não resistem a não responder. E assim se vai perpetuando o ciclo vicioso.

A adolescência é um período de intensa maturação – física, emocional, intelectual, social – que deve ser alimentada por um bom sono. Mas, um bom sono não se mede só pela duração, mas também pela qualidade e profundidade. O cérebro necessita do sono para restabelecer a sua energia, para sedimentar as suas memórias e eliminar as substâncias tóxicas. Estudos efetuados indicam que só uma percentagem inferior a 15% dos adolescentes dorme o número de horas adequado às suas necessidades.

O conflito com o adolescente por causa da hora de deitar e acordar (tão frequente) não traz qualquer benefício. Afinal é um processo biológico que o está a empurrar nesse sentido… O melhor a fazer é ajudar o jovem no reajuste do seu relógio interno, lembrando-o dos benefícios dum bom sono e dos malefícios da sua falta.

Algumas regras que o podem apoiar incluem: regularidade da hora de deitar, de modo a dormir o número de horas necessário à idade (permitir o desfasamento de 1 a 2 horas para mais tarde ao fim de semana); evitar sestas longas; dosear a cafeína e bebidas estimulantes, evitando-as a partir do meio da tarde; “desacelerar” à noite, tomando um duche, ler um livro ou outra atividade relaxante; retirar a TV do quarto e reduzir a utilização dos meios eletrónicos na hora que antecede o deitar, deixando-os fora do quarto; se os tiver que utilizar junto da hora de deitar, diminuir a luminosidade do écran; logo que acordar de manhã, receber a luz do dia; tentar ajustar a hora de início dos horários escolares para mais tarde, se possível.

O défice de sono é de longe a causa mais frequente da sonolência diurna do adolescente, por vezes confundida com cansaço. Nalgumas circunstâncias porém, pode ser devida a outros problemas, como efeitos secundários de medicamentos, insónia, depressão, perturbação respiratória do sono, síndrome de pernas inquietas ou narcolepsia.

Se se suspeita que a sonolência do adolescente ultrapassa o que é característico nesta idade, podendo estar em causa alguma razão médica, então deve-se procurar apoio médico.

 

Maria Helena Estêvão

(Pediatra com Competência em Medicina do Sono)

 

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