Nem sempre, nem nunca. A resposta à pergunta formulada deve seguir a legislação estipulada para a gestação de substituição, também conhecida por barriga de “aluguer”. Entre aspas, sim, porque este não é um mero contrato de arrendamento, apesar de exigir um acordo

Desde agosto de 2016 que Portugal encara a gestação de substituição como uma técnica de Procriação Medicamente Assistida (PMA). A lei regula o acesso a esta técnica apenas nos casos em que haja ausência de útero ou lesão/doença deste órgão que impossibilite de forma absoluta a gravidez, permitindo a celebração de um negócio jurídico, excecional e unicamente de natureza gratuita, ou seja, não havendo qualquer tipo de pagamento à gestante de substituição.

Em dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida deliberou autorizar a celebração do primeiro contrato de gestação de substituição: uma avó disponibilizou-se para suportar (termo usado na Lei) a gravidez do seu neto, possibilitando assim que a sua filha, sem útero (em consequência de doença grave anterior), possa cumprir o objetivo de criar uma família com filhos, atingindo assim um dos maiores desejos de grande parte dos seres humanos – ver concretizada a sua parentalidade.

De um modo simplista, define-se gestação de substituição como a disponibilidade de uma mulher levar a cabo uma gravidez por conta de outrem e entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade. Como compreenderemos facilmente, esta será uma situação de extrema sensibilidade e que implica um cuidado também extremo na abordagem técnica e social. Para além das variáveis médicas e de saúde física envolvidas, existem variáveis de natureza psicológica e psicossocial, cujo efeito é ainda pouco conhecido, porque também pouco estudado. Uma análise aprofundada destes fatores é, em nossa opinião, fundamental para estabelecer estratégias operacionais que nos permitam maximizar resultados positivos para todos e que visem, essencialmente, o superior direito da criança ao bem-estar e ao crescimento saudável.

A ausência de história deste procedimento em Portugal não permite ainda a existência de estudos no nosso país. Mesmo nos países onde a técnica de PMA já tem um passado mais longo, os estudos não abundam. Genericamente, podemos sublinhar o facto dos estudos existentes defenderem que a gestação de substituição é um processo que os casais consideram como uma experiência positiva, recomendável a outras pessoas, não apresentando sinais negativos associados ao procedimento. Contudo, quando pensamos neste tema e no trabalho a desenvolver na área,  não podemos deixar de sublinhar alguns aspetos que devem ser tidos em conta e que terão, a nosso ver, que ser ponderados.

A realidade que encaminha o casal até esta solução é fragilizante e constitui um caminho duro e longo sendo esta a última hipótese de concretizar o desejo de ter um filho (com exceção da adoção).

Começando com a indisponibilidade biológica de ter um filho e com o confronto com essa realidade, o casal vai ter que fazer um longo percurso, gerindo todo o estigma social que esse trajeto pode implicar, lidando com um esforço emocional acrescido para fazer face a todas as exigências do processo. Fácil não será também o caminho da gestante de substituição.

Neste contexto, os centros médicos que se propõem realizar estes processos não podem nunca descurar o acompanhamento psicológico do casal e da terceira pessoa envolvida. Começando por uma avaliação cuidada da tríade e da relação que se estabelece, todo o processo deve ser cuidadosamente vigiado de modo a que eventuais questões perturbadoras possam ser identificadas o mais precocemente possível, tentando assim evitar futuros problemas na relação com a gestante e com o próprio filho.

Embora tudo indique que a gestação de substituição seja uma realidade com benefícios significativos, não podemos esquecer que dela resulta o nascimento de uma criança, gerada em circunstâncias muito específicas e diferentes. Consideramos que o apoio psicológico deve concretizar-se num espaço onde a vivência emocional de todo este processo possa ser entendido pelos envolvidos. Começando, como já dissemos, com a história de infertilidade do casal, este processo não terá fim por que dele resulta o nascimento de uma criança com tudo o que isso implica.

Não temos garantias sobre a felicidade dos nossos filhos nem certezas sobre o seu bem- estar, em circunstâncias nenhumas. Contudo, concordaremos que existem experiências na vida que podem implicar mais dúvidas do que outras. A gestação de substituição e o nascimento de uma criança com recurso a esta técnica de PMA deve ser entendida como uma dessas circunstâncias.

O papel do psicólogo, enquanto técnico interveniente neste processo,  não deve limitar-se à emissão de um parecer que “se mostre favorável à celebração do negócio jurídico”, sem mais indicações. Consideramos fundamental que se crie, rapidamente, um protocolo que estipule os critérios de avaliação, acompanhamento e intervenção na tríade implicada na gestação de substituição e que tais orientações sejam escrupulosamente seguidas. Concordamos que só assim poderá fazer-se uma prevenção séria de eventuais complicações psicológicas futuras.

Ana Beatriz Condinho

(Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta)

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