Maria e Miguel estão juntos há 3 anos. Numa conversa com os dois, facilmente se sente a cumplicidade e o horizonte de uma família com filhos

Maria é minha doente desde os 16 anos. Acompanhei-a desde a sua adolescência: a fase de grandes transformações e conquistas. Os dias de tempestade e de sol. As dúvidas e os conflitos. Como com qualquer menina da sua idade, senti que a sua identidade se formava, espelhando muito a importância da imagem corporal, a comparação com os seus pares, as referências culturais, e as minhas recomendações respeitaram as exigências que se foram impondo.

Passaram-se alguns anos, e fui observando o processo com alguma tranquilidade, já a sua pele se tinha tornado lisa e sedosa, deixando para trás as marcas da adolescência. Acompanhei a sua primeira paixão. Falámos da importância da contraceção e da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. Fizemos a primeira citologia do colo do útero, incentivei ao auto exame da mama. Maria é saudável e aproveito sempre para a aconselhar de todos os hábitos de vida saudáveis que deve manter.

Entretanto Maria casou! Desta vez não vem à minha consulta sozinha. Vem acompanhada pelo marido, formam um casal simpático, interessado e muito cúmplice. Diria que estão apaixonados. Ouço-os a falar. Descrevem os seus objetivos, os seus medos e receios. Pretendem sedimentar a relação, aumentar a família e encher a casa de vida. Maria confessa-me que quer engravidar.

Fico agradada quando uma das minhas doentes decide engravidar. Vamos preparar-nos para que tudo corra pelo melhor: voltamos a falar dos hábitos de vida saudável e fazemos uma breve história das doenças familiares dos futuros pais.

Nesta consulta avalio o peso e a tensão arterial da Maria. Passamos ao exame ginecológico, onde verifico se há suspeita de infeções ou inflamações. Aí faço colheita das células do colo do útero para avaliação citológica e/ou infeção por HPV. Ao toque verifico se não há dores ou massas pélvicas e faço a ecografia por via vaginal para avaliação do útero e dos ovários. Termino com a palpação mamária.

Tudo parece estar bem. Prescrevo análises ao sangue para confirmação do bom estado de saúde. A determinação do grupo de sangue e fator Rh e a pesquisa de doenças infeto-contagiosas que possam afetar o normal desenvolvimento do feto. Assim, é fundamental determinar a imunidade à rubéola, hepatite B, bem como o rastreio da toxoplasmose, da sífilis, da infeção por VIH e do citomegalovirús. A avaliação do normal funcionamento da tiroide também é importante. Nesta fase está recomendada a vacinação anti-tetânica, sarampo, rubéola e difteria de acordo com o plano nacional de vacinação.

Maria vai iniciar a toma de um comprimido diário de ácido fólico para que não haja deficiência deste elemento na altura da conceção. A suplementação de ácido fólico previne os defeitos do tubo neural, a estrutura do embrião que vai dar origem ao sistema nervoso (cérebro e medula) e por isso deve ser tomado, pelo menos, dois meses antes de engravidar.

Converso com Miguel e percebo que tem hábitos de vida saudável, não fuma e não tem doenças genéticas na família. Como futuro pai, deve realizar análises da sífilis, da infeção por VIH e de hepatite B.

Voltamos a encontrar-nos numa nova consulta para analisar os resultados das análises. Maria vai então suspender o contracetivo e agora iniciar o suplemento de iodo que irá ajudar ao bom desenvolvimento neurológico do bebé. É o momento certo para explicar como funciona o ciclo menstrual: caso as menstruações sejam agora regulares com ciclos de 28 a 30 dias, o período fértil ocorre a meio do ciclo, ou seja, a altura ideal para que ocorra a conceção. Aproveito este momento também para estabelecer expectativas realistas a respeito da gravidez. Caso esta não ocorra nos próximos 12 meses, aconselho-os a marcar nova consulta para as causas da infertilidade.

Maria e Miguel parecem-me preparados. O nascimento do primeiro filho vai ser mudar-lhes a vida e as rotinas. Nessa altura tudo será feito para que a introdução de um terceiro elemento na família não perturbe uma relação satisfatória e contribua para a consolidação da vida familiar.

Ana Peixoto

(médica ginecologista/obstetra)

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